Capítulo 40 - Berlim 1940

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            Tem sido tudo muito difícil desde que eu perdi a mulher da minha vida, a minha companheira inseparável, ter conhecido Henriette Vingnon aquele dia na universidade foi a melhor coisa que poderia ter acontecido, assim que a vi não consegui mais tirar os olhos dela.

            Mas a vida não é justa e muitas coisas nessa vida não tem explicação e a perda dela é uma dessas coisas, podemos chamar de destino? É talvez possamos sim, mas eu não sei se posso usar essa desculpa para amenizar um pouco a culpa que eu sinto.

            Naquele dia em que me despedi dela ao embarcar no trem para Paris eu poderia ter dito para ela não ir, poderia ter pedido, poderia não ter deixado, poderia ter proibido, poderia ter amarrado-a, mas como impedi-la de rever seu pai ainda em vida, como dizer não e viver com essa culpa. E também esperávamos que ela retornasse em poucos dias. Ninguém sabia o que iria acontecer, pelo menos a grande maioria de nós e eu cobrei isso de meu pai, cobrei dele se tinha a informação sobre o planejamento do ataque à Polônia e ele foi categórico em me afirmar que não, mas eu tenho dúvidas.

            A última mensagem dela anda em meu bolso, de tanto que leio e manuseio já está rota e as letras quase apagadas, o chicote que eu usava apenas em casa é meu companheiro inseparável e ele nunca mais tocou em alguém ou alguém o tocou e todos no campo sabem que essa seria uma das faltas mais graves que poderiam cometer.

            Eu poderia ter abandonado tudo e ter ido em busca de minha mulher, eu poderia ter desertado eu nem sei o que eu poderia ter feito, tentei licenças que me foram seguidamente negadas naqueles primeiros dias da invasão à Polônia e não tinha como mandar qualquer mensagem para ela, eramos dois países, naquele momento, ainda não em guerra, mas com uma grande probabilidade e nada saia da Alemanha sem que a Gestapo não checasse, e eu só tinha o correio como meio de contato.

            Depois que nossas tropas bombardearam e invadiram Paris eu procurei de todas as formas encontrar a mulher da minha vida, procurei trazê-la de volta aos meus braços, já no primeiro mês da ocupação eu enviei dois oficiais de minha total confiança a Paris, pois eu precisava além de buscar informações sobre ela, organizar a movimentação de milhares de prisioneiros para os campos de concentração.

            Aguardei ansiosamente pelas notícias que me foram trágicas, Karl Hirsch um dos oficiais me trouxe a notícia de que provavelmente Henriette Vingnon von Hoffman estava morta, no endereço que eu havia fornecido a ele não existia mais nada apenas um grande cratera feita por uma das maiores bombas do arsenal alemão e que atingiu exatamente a casa dela, Karl vasculhou todos os registros, até mesmo checou uma a uma as listas de prisioneiros, mas não foi encontrado nenhum sinal dela e, provavelmente nunca vai ser encontrado, pois quem estava no epicentro da explosão seguida de incêndio foi completamente exterminado.

            Mas eu não me dei por vencido, algo dentro de mim me dizia que ela não poderia estar morta, uma pessoa como Henriette não poderia simplesmente desaparecer da face da terra e  por três vezes eu, em momentos de folga, estive em Paris, da primeira vez eu fui para render homenagem a ela, estive no endereço onde sua família morava, fiquei horas e horas caminhando por sobre os escombros, procurando identificar o menor sinal da presença dela, certamente que muitos estranharam, mas isso não me importava, depois de passar praticamente o dia todo lá eu depositei flores em um ponto em que imaginava que ela pudesse ter estado. Nos dois dias seguintes, dessa minha primeira estada eu procurei informações, mas nada obtive.

            Na segunda vez em que eu estive lá, alguns meses depois eu quase me encontrei com ela, sim poderíamos ter nos encontrado, mas não nesse mundo se eu estivesse como programado viajado com o General Hannover eu poderia estar nesse momento em outro mundo ao lado dela, pois os seis membros que estavam nessa viagem foram emboscados e mortos.

            Eu não fui, e mais uma vez eu culpo o destino, por ter sido promovido pelos serviços prestados à nação e no dia que eu poderia estar indo ao encontro do meu amor eu estava recebendo a Cruz de Ferro.

            Eu não fui, e mais uma vez eu culpo o destino, por ter sido promovido pelos serviços prestados à nação e no dia que eu poderia estar indo ao encontro do meu amor eu estava recebendo a Cruz de Ferro

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            Eu confesso que cheguei até mesmo ter pensado em deixar esse mundo, mas sempre que essa ideia me vinha à cabeça eu imaginava que ela não aprovaria, e isso é o que me tem feito viver e continuar a lutar para impedir que os que eu puder não sejam mortos, mas está cada vez mais difícil, cada vez mais os campos estão mais cheios e cada vez mais os comboios partem levando infelizes para o seu destino final.

            Com um ano sem minha esposa eu resolvi realizar uma cerimônia fúnebre em memória de Henriette Vingnon von Hoffman, hoje eu sou um viúvo, um homem com uma cicatriz que não fecha, preciso participar de uma série de eventos sociais, sair com outros oficiais para beber e fazer de conta que estou me divertindo, já estive em ambientes em que mulheres estavam disponíveis para saciarem nossas necessidades físicas e eu não me deitei com nenhuma delas, algumas vezes eu dizia que era o meu luto, depois com a insistência de todos dizendo que eu precisava refazer minha vida, que não podia ser só de Sachsenhause eu passei a parecer que estava bêbado no exato momento.

            O tempo tem passado, mas o que eu sinto não passa, a minha Henriette está presente o tempo todo, nada na casa foi mudado, seu guarda roupas continua da mesma forma como ela deixou, o nosso quarto de encontros de prazer permanece inalterado, até mesmo as cordas usadas em nossa última vez estão no ponto exato onde ficaram, algumas vezes eu passo horas lá dentro limpando a poeira à espera do retorno dela.

            Na terceira vez em que estive em Paris foi para inspecionar pessoalmente o transporte de prisioneiros de guerra para um novo campo e entre eles muitos eram membros da resistência francesa e que fatalmente acabariam sendo mortos após um severo interrogatório.

            Por algumas vezes eu, sempre que podia, voltava ao endereço dela para depositar flores e procurar por algum vestígio, mas sempre em vão.

            Na minha penúltima noite em Paris, da última vez que estive por lá, os membros do meu staff estavam organizando uma festa em uma maison onde oficiais da wehrmacht, da Schutsztaffel, da Luftwaffe e políticos se reunião para beber e usufruírem das mulheres, principalmente polonesas que eram levadas para lá. Eu dessa vez concordei em ir, não poderia deixar de ir e meu ajudante de ordens me mostrou isso ao demostrar da importância da minha presença.

            Mas um ataque, de combatentes da resistência nas imediações de Paris a um comboio militar de armas fez com que eu me envolvesse diretamente com o comando local e não pudesse ter ido à essa comemoração.

            De volta a Berlim eu tenho procurado seguir adiante, já fui apresentado a várias pretendentes, meus pais já programaram algumas recepções com esse intuito, mas até hoje só um par de olhos fazem com que os meus brilhem e eles pertencem à mulher que eu amo e que sei que um dia eu vou tornar a encontrar. Hoje a minha felicidade resume-se a ver alguém partir para a liberdade.






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