Yoongi acordou às nove.
Quando era mais novo, tinha sono para dar e vender. Com o passar dos anos, pareceu acordar cada vez mais e mais cedo. Às vezes queria ficar na cama, mas não conseguia. O chão chamava por seus pés. Supunha que quando tivesse seus oitenta anos, estaria acordando de madrugada. E provavelmente dormindo antes do sol se pôr.
É seu primeiro dia como um homem de cinquenta e nove anos.
Era uma quinta feira. O sol marcava o chão e o edredom, o dourado escapando por entre as persiana. Yoongi havia se aposentado no ano que passou. Sempre foi um funcionário excepcional. Não trabalhava nunca nos fins de semana, mas estava sempre disposto a fazer horas extras ou aparecer nos feriados. Era calmo, pragmático e nunca reclamava. Por tanto, quando ficou claro que a morte de Sunhee lhe incapacitou, o escritório no qual trabalhava o demitiu com uma pensão mensal generosa.
Não era necessária, a pensão. Ele tinha sido um advogado rico. Sunhee tinha sido uma artista rica. Os dias de comer ramen quase cru por cima de livros de direito em seu apartamento caindo aos pedaços haviam há muito passado.
Yoongi se levantou e posicionou os pés descalços sobre as tábuas de madeira corrida. Caminhou até a persiana, mergulhado na parcial escuridão, e a abriu, deixando que a luz dourada das nove banhasse seu quarto. Colocou seu roupão branco e desceu as escadas até a cozinha, um espaço aberto e claro, de chão de mármore e bancadas de granito. Na mesa, panquecas, manteiga e ovos mexidos se empilhavam.
— Bom dia — disse a empregada. Yoongi respondeu cordialmente e tomou seu café em silêncio. A empregada saiu da cozinha para cuidar do resto da casa e o barulho do aspirador soou abafado. Ainda assim, tudo estava um tanto silencioso.
É seu primeiro dia como um homem de cinquenta e nove anos.
Yoongi se levantou e estalou o pescoço. Se preparava para subir as escadas quando a empregada o chamou.
— Oi, Senhor?
— Por favor, Yangmi. Pela última vez, me chame de Yoongi.
A moça sorriu e acenou a cabeça. Deveria ter por volta de vinte e cinco anos.
— Olha, eu estava into varrer e limpar a biblioteca, mas está muito complicado. Não só as estantes estão abarrotadas, mas tem livros em todo o chão. Encontrei até um livro de bolso perdido atrás dos móveis. Nem mesmo as janelas consi-
— Obrigado, Yangmi. Aquilo está precisando ser organizado. Vou tirar um tempo de tarde, que tal? Por enquanto não precisa limpar a biblioteca.
Yoongi subiu para seu quarto, colocou suas roupas e foi correr. Correu sete quilômetros, segundo seu apple watch. Voltou para casa, colocou seu calção e nadou por um longo tempo. Ficou quase uma hora dentro da sauna. Tomou banho, se vestiu e se sentou para responder emails.
O relógio já apontava duas da tarde quando tudo isso acabou. Então, soltou um suspiro e deixou seu quarto. Caminhou lentamente até a biblioteca. Parou em frente a porta e examinou a madeira morena. Então, a empurrou. A sua frente, uma miríade de livros borbulhava e transbordava. As prateleiras das estantes se envergavam com o peso, pilhas subiam e subiam pelo chão. Em alguns lugares, em que as pilhas ficaram grandes demais para se sustentar, elas colapsaram e se tornaram enormes montes de papel e tinta.
Yoongi caminhou até algumas pilhas de livros que bloqueavam a grande janela na parede direita e os derrubou no chão. A luz do céu azul lá fora vazou para dentro da sala. Ele não entrava na biblioteca desde que Sunhee morreu. Era a biblioteca dela, afinal. Ele tinha seu próprio acervo de vinis e discos. Ela era a garota dos livros.
Ele observou a montanha caixa de livros. Um livro em especial o chamou a atenção. Em sua capa, virada perfeitamente para cima, lia-se o nome "Haruki Murakami". Yoongi franziu o cenho. Sunhee gostava de escritas pomposas e recheadas, como Thomas Mann. Quem gostava do ritmo e o lirismo de Murakami era ele. Mas o título do livro estava em carácteres japoneses, e ele não falava tal língua. Ele se aproximou do monte e apanhou o livro. A imagem da capa já tinha desaparecido, e as folhas amareladas e frágeis se soltavam da lombada. Embaixo da ponta de seus dedos, o papel sentia como folhas de outono. Ele encarou aqueles carácteres desbotados. O cheiro do papel pesava forte em suas narinas. De quem seria aquela edição?
Abriu a capa. Na primeira página, haviam algumas palavras escritas em uma caligrafia caprichosa.
Para meu garoto favorito, meu livro predileto.
— Joon.Embaixo dessas palavras, havia um número de telefone. Yoongi sentiu seu cérebro florescer como as flores lá fora. A nostalgia o atingiu, cheirando a livros velhos e mar.
Para meu garoto favorito, meu livro predileto.
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NORWEGIAN WOOD | MYG+KNJ
Fanficquando Yoongi decide organizar a miríade de livros que transborda de sua estante, se surpreende ao encontrar um em língua japonesa. A edição de "Norwegian Wood", romance de Haruki Murakami é frágil e amarelado. As folhas quebradiças se soltam da lom...