[85]

76 8 0
                                    

😢

O soro da morte cheira a fumo e a especiarias e os meus pulmões rejeitam-no à primeira inspiração. Tusso e cuspo e sou engolida pela escuridão. Caio de joelhos. Sinto-me como se alguém tivesse substituído o meu sangue por melaço e os meus ossos por chumbo.

Um fio invisível puxa-me em direção ao sono, mas quero permanecer acordada. É importante querer estar acordada. Imagino esse desejo, essa vontade, queimando no meu peito como uma chama.

O fio puxa com mais força e eu atiço a chama com nomes. Tobias. Caleb. Christina. Matthew. Cara. Zeke.

Uriah.

Contudo, não consigo resistir ao peso do soro. Caio de lado e o meu braço ferido apoia-se contra o chão frio. Estou à deriva...

Seria agradável deixar-me ir, diz uma voz dentro da minha cabeça. Ver aonde vou ter...

Mas a chama, a chama.

O desejo de viver.

Isto ainda não terminou, ainda não terminou.

Sinto que estou a escavar através da minha própria mente. É difícil recordar por que motivo vim aqui e porque é importante livrar-me deste peso tão belo. Mas, então, as mãos que arranham o meu espírito encontram-na, a memória do rosto da minha mãe, dos ângulos estranhos dos seus membros sobre o pavimento e do sangue derramando-se do corpo do meu pai.

Mas eles estão mortos, diz a voz. Podes juntar-te a eles.

Eles morreram por mim, respondo. E agora há algo que tenho de fazer em troca. Tenho de impedir que outras pessoas percam tudo. Tenho de salvar a cidade e as pessoas de quem a minha mãe e o meu pai gostavam.

Se me vou juntar aos meus pais, quero que seja por uma boa razão, e não por causa disto – deste soçobrar sem sentido mesmo no limiar.

A chama, a chama. Ruge dentro de mim, é uma fogueira, a seguir é um inferno de chamas, e o meu corpo é o combustível de que se alimenta. Sinto-o varrer-me o interior, carcomendo o peso. Não há nada que possa matar-me agora, sou poderosa, invencível e eterna.

Sinto o soro agarrar-se à minha pele como um óleo, mas a escuridão recua. Firmo uma mão pesada contra o chão e obrigo-me a levantar.

Dobrada pela cintura, empurro as portas duplas com o ombro e estas rangem sobre o chão quando o selo que as unia se parte. Respiro o ar puro e endireito-me. Entrei, entrei.

Mas não estou sozinha.

— Não te mexas — diz David, erguendo a pistola. — Olá, Tris.

Tris, in Convergente

Frases de Divergente 🔥Onde histórias criam vida. Descubra agora