XVIII - Antes de Partir

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Marcus acordou num pequeno quarto de madeira. Na parede oposta a cama em que estava havia outra cama e entre elas um leito improvisado.

Sentiu certa dificuldade para levantar, mas conseguiu caminhar. Sobre um baú tecido com talos de madeira havia uma jarra, um pano e uma bacia. Após molhar o rosto deixou o quarto. Já sabia onde estava antes de encontrar com qualquer um dos moradores da residência. Era a casa de Giusepe.

O que se confirmou ao ver a filha mais nova dele brincando numa escada que ficava disposta no corredor que dava acesso a saída de um lado e a cozinha no outro extremo. Da outra vez em que esteve por ali, dormira com Escar no andar de cima no quarto de um dos irmãos dela.

A menina continuou lhe olhando enquanto mexia em suas bonecas de pano e palha tão semelhante às que ele cresceu vendo outras garotinhas brincar. A infância era uma etapa parecida em muitos lugares. - "Uma pena que isso não se mantém em outras fases da vida."

Marcus se abaixou na altura dela e perguntou no tom mais baixo que conseguiu.

- Você entende o que eu falo? - ela sacudiu a cabeça afirmativa. - Sabe onde está meu amigo Escar?

Ela confirmou mais uma vez e apontou para a porta que estava aberta e levava a praia. Marcus levantou e agradeceu. Andou tentando não fazer barulho e ao chegar a porta virou-se para a pequenina levando o dedo indicador até a boca em sinal de silêncio. Ao vê-la sorrir ele saiu.

Lá fora algumas mulheres andavam de um lado a outro enquanto algumas crianças brincavam soltas. Ao longe o sol começou a se pôr. Marcus viu Tristan próximo a alguns homens e ficou espantado ao perceber que o garoto estava ajudando numa das tarefas cotidianas.

Avistou Escar sentado ao longe na areia envolvido com uma capa de pano e foi até ele sobre os olhares atentos e desconfiados de alguns dos transeuntes. Sentou-se ao lado dele mantendo uma distância confortável e ao mesmo tempo embaraçosa.

Trocaram um longo olhar, parecia que ambos estavam desejosos de saber o que se passava na mente um do outro. Depois Escar voltou a fitar o horizonte. Marcus quebrou o silêncio.

- Tristan parece estar se saindo bem.

Escar virou o rosto na direção do garoto que estava ajudando a recolher uma rede de pesca. Ainda parecia sério e isolado, mas estava participando de algo. O que até ali era um enorme avanço. Escar esboçou um leve sorriso e retornou a posição anterior dizendo.

- Ele fala a língua livre e está entre alguns dos nossos.

- O que aconteceu com ele enquanto esteve com os orkï's?

- Ele não quis me falar muita coisa, mas disse que se virou bem.

- Aposto que sim. É um menino inteligente igual ao tio. Sobreviveria facilmente a floresta das luzes. Ou se desenvolveria muito bem em Roma.

Escar lhe olhou sisudo. Ficou irritado com a ideia. Levantou-se e caminhou pela praia indo na direção da curvatura que se sobressaía em direção ao mar. Ali terminava o vilarejo havendo somente árvores delimitadas por extensões de pedras que na maioria do tempo ficavam encobertas pela água, mas agora se destacavam na maré baixa.

Marcus o acompanhou com o olhar até ele desaparecer na curva. Sentiu-se angustiado, mas conseguiu manter a calma ao ver que Tristan também observou o tio e retornou ao que fazia sem esboçar maior preocupação. Enquanto Marcus olhava naquela direção nem notou que Giusepe havia se aproximado.

- Sabe, nobre Àquila... O senhor teve sorte em ter alguém tão fiel e devotado quanto o seu servo.

- Escar não é meu servo. - respondeu Marcus.

A Águia (EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora