O Andar de Cima

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Não sou o tipo de pessoa que tem uma moradia fixa, sou um verdadeiro nômade. Me mudo de 2 em 2 meses. Às vezes questões de trabalho, gosto pessoal ou... Bom, essa é a mais difícil de acreditar, e só ocorreu uma vez... Acho que o que relatarei abaixo irá deixar a situação bem clara. 

Era um mês de julho realmente frio, e o aquecedor da minha casa acabou por arrebentar de maneira fatal. Não tinha mais conserto, sendo assim não tinha como eu sobreviver. Estava frio mesmo! Saí a procura de uma nova "casa", e assim conheci um senhor bem simpático. Seu nome era Claus... Claus Voldern. Ele estava alugando um apartamento durante a época de frio. Aparentemente ele tinha um lugar bem confortante e quente à oferecer. 

Pedi a ele que me apresentasse o tal lugar. À primeira vista era um local decadente: um pequeno e simples prédio com 3 andares. A fachada era de um marrom deprimente de tão desgastado. Claus me levou até o interior do prédio. "O meu apartamento é o segundo.", ele disse com uma voz rouca e com sorriso simpático de sempre. Subíamos as escadas até que ouvimos um barulho de algo quebrando vindo do primeiro apartamento. "Não ligue, é apenas o casal do primeiro andar brigando.",Claus disse. "Esses aí manjam dos paranauê sabem como brigar...".

Chegamos ao segundo andar e Claus logo se dirigiu ao apartamento, pedindo para que eu o seguisse. Definitivamente o apartamento era confortante e quente. Me senti como "um pinto no lixo". Conheci o lugar inteiro e por fim fechei o preço com ele. Me saiu bem barato.

No dia seguinte peguei minhas "trouxas" e me levei até o apartamento alugado. Mal arrumei minhas coisas, já me joguei, completamente torto, em cima da grande e fofa cama do apartamento. Como a noite já se estabelecera, um cochilo era mais do que conveniente, então resolvi descansar um pouco. Minha tranquilidade foi interferida por barulhos estranhos. Com o cansaço demasiado, elaborei a hipótese de que era o casal do primeiro andar e deixei por isso.

Uma semana se passou, e os barulhos escutados por mim no meu primeiro dia de estadia podiam ser ouvidos mais claramente. Eles ficaram mais altos e eu identifiquei seu timbre. Não era o casal do primeiro andar, os barulhos vinham de cima... Do terceiro andar. Claus me visitou no final do dia para perguntar como estavam as coisas e eu lhe informei dos barulhos no andar de cima. "Mas senhor, ninguém vive no terceiro andar... Ele é uma espécie de sótão. É inabitável, digamos assim.", foi o que ganhei como resposta de Claus. Ele se foi e eu fiquei pensativo. Resolvi ir dormir cedo, ou melhor, deitar em minha cama e apreciar aqueles barulhos deveramente estranhos que perturbavam meu sono.

Mais uma semana se passou, assim como uma nova visita de Claus. Eu perguntei se alguém já havia morado no andar de cima. Ele ficou um tanto receoso, mas me respondeu, ainda que desconfiado: "Sim, porém há muito tempo. Foram os únicos que moraram ali. Era um casal, felizes como nunca. A mulher estava grávida... Eles perderam o bebê aqui, e me processaram. De acordo com eles, ela perdeu por causa de um susto muito grande.""Susto?", perguntei intrigado. "Sim. Eles diziam que quando se deitavam ouviam barulhos estranhos, passos... A justiça não acreditou nessa história de susto, então eu não tive prejuízos. Minha superticiosidade acabou fazendo com que eu fechasse esse andar, deixasse ele apenas como um sótão. Se não se importa, prefiro não me abrir mais." Respeitei o sentimento de Claus e encerrei o assunto.

A minha curiosidade estava mais do que despertada! Eu queria visitar esse terceiro andar. Sempre fui meio medroso, mas minha curiosidade foi sempre algo sem limites. Talvez esse grande sentimento quebrasse totalmente o medo dentro de mim.

No dia seguinte eu esperei a noite cair, peguei uma lanterna, uma faca e parti para o terceiro andar. Eu realmente estava esperando por algo ruim, porém como eu já disse, sou curioso ao extremo. Frente à porta do "apartamento assombrado" eu respirei fundo e dei um grande chute, arrombando a porta. Certifiquei-me de que ninguém no primeiro andar notara meu ato brusco.

Assim que entrei, a escuridão se apoderou de mim e sendo assim, acendi a lanterna. Era uma lanterna realmente útil, iluminava bem. Saí andando - mesmo que cegamente - em busca de alguma "aventura". Andei, andei e andei até sentir a madeira um tanto solta. Pisei um pouco mais na frente, a madeira soltou-se, me empurrando para frente. Parei perto de uma porta. Arrombei novamente.

Encontrei um interruptor e sem pensar liguei-o. Curiosamente a luz se acendeu (é estranho, pois o apartamento estava abandonado) e eu pude notar uns "sacos" pendurados no teto. Aquilo cheirava mal, mas o mais impressionante disso era que o cheiro estava impregnado apenas naquele cômodo do apartamento. Eu observei, intrigado, aquilo, até que uma gosma caiu no meu ombro. Nesse ponto pude perceber que uma gosma cobria as paredes. Talvez aquilo estivesse "prendendo" o cheiro naquela sala. Eu estava confuso demais para fazer concordâncias, resolvi sair daquela atmosfera um tanto desagradável.

Assim que coloquei os pés para fora daquele lugar, eu ouvi passos. Eles vinham bem da minha frente. Eu abaixei a cabeça e apontei a lanterna para frente. Fui me erguendo aos poucos, preparado para levar um susto. E eu levei...

Um pequeno humanoide estava parado me observando. Sua silhueta era curiosa. Sua cabeça era um tanto oval, era barrigudo, mão com cinco dedos pontudos, olhos vermelhos, pernas meio dobradas... Um detalhe não passava despercebido: Aquele ser usava um medalhão no pescoço.

Apesar do susto, novamente a minha curiosidade predominava e meu medo se tornava poeira. "O que é você?", eu perguntei. Nenhuma resposta foi obtida.

O som que aquela criatura emitia era repugnante. Parecia um sapo, ao mesmo tempo em que se assemelhava a alguém vomitando. Uma náusea me deixou desconfortável. Eu joguei a lanterna com força no olho dele e ele soltou um grito agudo que quase me deixou surdo. Em seguida foi banhado por um cuspe deveramente gosmento. Não pude segurar, o vômito saiu como uma cachoeira.

Fiquei um pouco tonto, mas me mantive de pé. A criatura correu em minha direção e me deu uma cabeçada, empurrando-me para o chão. Eu fiquei mais tonto e havia perdido minha lanterna. Comecei a ouvir passos, a criatura estava me cercando. Eu corri até a lanterna, senti que a criatura estava atrás de mim e então lhe dei um coice chutei. Consegui pegar a lanterna, era a hora de fugir daquele pesadelo.

O suor descia pelas minhas costas, a visão se embaçava, mas eu podia avistar a porta. Eu virei de costas e comecei a andar de ré. Apontava a lanterna para todos os lados, com medo. O alívio me tomou, eu finalmente saí daquele lugar. Só me restava juntar as minhas coisas e sair depressa daquele prédio do inferno. Dei mais dois passos para trás e toquei em algo.

"Por que você entrou lá?". Claus me surpreendeu. Me virei e vi-o atrás de mim. Ele estava mais cansado que o normal, sua roupa estava rasgada e... o que ele fazia ali? Eu somente o olhava com ar de confusão, não podia fazer mais nada.

Eu observei-o de cima para baixo e meus olhos quase saltaram para fora quando eu notei aquilo: Claus usava o mesmo medalhão que o pequeno humanoide que avistei dentro do apartamento assombrado. "Claus, esse medalhão...?". Claus sorriu para mim como um louco e esticou suas mãos, tentando me alcançar. Peguei minha faca e no calor da situação, cravei em seu ombro direito. Claus caiu com um gemido.

Eu desci as escadas rapidamente, passei direto pelo apartamento alugado, minhas coisas eram o que menos importavam naquela hora, eu queria mesmo me salvar. Cheguei no primeiro andar e vi que o casal do primeiro apartamento estava com a porta aberta. Entrei desesperado, pedindo para que eles fugissem comigo, no entanto ao olhar para o sofá no meio da sala deles, eu vi seus corpos, rodeados por enormes poças de sangue e uma grande quantidade de um líquido gosmento - o mesmo encontrado no terceiro apartamento. Vomitei novamente, mas ainda pude correr...

Fui para bem longe dali, dormi no meio da rua mesmo - quase morri de hipotermia -  e no dia seguinte fui para a casa da minha mãe. Nunca consegui contar esse fato, na verdade eu não gosto de tocar no assunto. Quando me perguntam, me faço de traumatizado, começo a tremer e fingo estar desacordado. Sei que eu posso contar, entretanto evitar parece ser a melhor escolha.

Nunca mais me encontrei com Claus Voldern, e se algum dia você conhecer um senhor com esse nome, afaste-se! Afinal, atrás de um sorriso simpático pode-se esconder um segredo terrível, não é mesmo...?

VAI DORMIR CARA... (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora