Sobre a Vida - Sobrevivendo.

3.

Você não sabe que está na direção errada até que não há mais volta. Você não percebe que está sendo puxado até que esteja sufocado.
Você não sabe que está morto, até perder a fé em sua alma.

O suicídio vem antes.
Vem antes do nó na corda.
Da lâmina no pulso.
Dos milhares de comprimidos.

O suicídio começa no momento em que sua alma desliga, você desiste. Ele vem devagar, te destrói por dentro, até que não seja nada além de uma casca por fora, pronta para ser jogada fora.

Eu não posso dizer quando tudo começou, muitas vezes meu coração não soube que decisão tomar, que direção seguir. Muitas vezes eu estive tão triste que parecia ser o fim do mundo, e no outro dia o sol estava ali me esperando.
Mas eu me lembro do dia em que eu finalmente senti a depressão me puxando.
Eu estava no cursinho pré vestibular, tinha alguns colegas, com quem conversar, mas como sempre, era superficial. Eu ia de ônibus todos os dias de uma cidade para outra, às vezes passava a manhã lá, outras vezes ia embora só de noite, mas eu estava dedicada a aprender, estudar.
Então, no meio de uma aula, antes que eu pudesse prever, meu corpo travou. Simplesmente parou, eu não conseguia me mexer, por algum motivo minha mente acionou um sistema onde eu estava travada, mas eu ainda podia tremer, eu não conseguia pedir ajuda, não me mexia, meus olhos enchiam de lágrimas, e eu lutava por dentro em uma batalha escandalosa em meio ao meu silêncio.
Isso durou uma semana, até eu perceber que não aguentaria outro dia daquela maneira. Eu estava deitada, não parava de tremer, meu maxilar batia com força, eu não tinha mais comando algum sobre meu corpo. Eu peguei meu celular e gravei o modo como minha não estava tremendo e mandei para minha mãe, literalmente gritando: socorro.
Alguns dias depois ela me levou em um médico, já havia uma consulta, nada escolhido, ele era um cardiologista, mas ele começou a me examinar com o olhar assim que entrei na sala, ele percebeu no primeiro momento que não havia mais brilho nos meus olhos, que eu não parava de tremer de uma maneira que meu coração se agitava, quase não aguentando estar ali.
Ele virou para a minha mãe e disse: ela está com depressão, você sabe não é? E além disso, a ansiedade atacou, e trouxe junto uma síndrome do pânico. Olha como ela se agarra por medo de se soltar.
Depois passei em outros médicos, psicólogos, que afirmaram meu diagnóstico.

Minha luta, estava apenas começando.
Mas a depressão é sorrateira, ela não quer apenas te afundar, ela quer mostrar para todo mundo que está fazendo isso, que dominou seu corpo e agora é ela quem comanda.
Eu não podia andar na rua sozinha, sem parecer que estava enlouquecendo, eu escutava todos os dias em minha mente: "se joga na frente de um carro" "você não merece estar viva" quando eu estava dentro de um carro com alguém, eu precisava ir quase amarrada por medo de puxar o volante e tirar o carro do caminho, fazendo-o capotar, ou abrir a porta e me jogar.
Eu estava sendo torturada pela minha própria mente.
Eu queria lutar. Mas eu estava me entregando sem perceber.
Mas diferente de muitas pessoas que passam por isso, eu tive um apoio bom no começo, pessoas que se preocupavam e acreditavam na minha dor, pessoas que estavam disposta a me estender a mão. Mas infelizmente isso faz parte da romantização a depressão, mas pessoas pensam que ter um amigo com depressão é lindo, porque ela vai ser a pessoa que está disposta a ajudar, que acredita, porque ela vai ser a pessoa que todos vão lembrar do seu lado. Mas isso é tudo mentira, essa mesma pessoa é a primeira a te deixar quando vê que você não melhora, essa pessoa é a primeira a te dar as costas quando já passou "tempo suficiente" e você continua do mesmo jeito.
E foi com esses altos e baixos que tudo começou. Na minha família foi um pouco diferente, eu tenho uma tia com síndrome do pânico, então, ela nunca me julgou, mas os outros, minha mãe, minha outra tia, meus tios e minha irmã que sempre me apoiavam, também sempre cansavam. Cansavam de me ver sempre da mesma maneira, diziam "você não melhora nunca, isso cansa" ou "de novo você está mal? chega pelo amor de Deus." Eles cansavam de lutar ao meu lado por isso nunca ter um, é surreal quantas pessoas não sabem que a depressão não tem um fim.
Ela nunca vai. Uma vez que chega, ela simplesmente fica. Às vezes está no comando, outras vezes está no porta malas. Mas ela sempre existe.

O pior de tudo é escutar um "você não está nem tentando." Isso é destrutivo. Quando se tem depressão, você está numa constante luta, todos os dias você está tentando, e ouvir que você não está é como se esfregassem em sua cara que seu máximo é equivalente a nada. Por que não importa o que você faça, nunca será suficiente para ninguém. Nem para você mesmo.

Dias e noites na cama, sem animo para sair com amigos. Sem vontade de fazer qualquer coisa. E quando fazia, eram coisas arriscadas que podiam me machucar seriamente. Eu não percebia, mas era a minha mente agindo de modo impulsivo apenas pelo gosto de me machucar.
Os cortes chegaram. A agonia. O sufoco. Eu me jogava contra a parede, cortava a bochecha, a testa, os braços ficavam roxos, tudo no desespero de tentar me libertar, enquanto a depressão ria de maneira irônica mostrando que pode ter uma luz, mas nunca será o fim do túnel.

Quando se tem depressão, ansiedade, pânico tudo é um inferno, o próprio paraíso te machuca e você deseja simplesmente não existir. É agonizante sentir uma dor que ninguém consegue acreditar. Dói sentir uma dor que exame nenhum pode mostrar. Como vão acreditar em mim?
Muitas vezes diziam: é coisa da sua cabeça.
E eu tentava acreditar que era. Eu queria concordar que era, afinal, se eu fiz aquilo comigo, eu podia desfazer.
Porque no final das contas: é algo da minha cabeça, mas eu não tenho controle, é a minha mente se convencendo todos os dias que a tristeza é a única opção que eu tenho.

E isso, é apenas o começo de uma dor que não tem fim.