❌ Postura Mórbida

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"O céu escurecendo aos poucos, caminhava para o fim do dia.
E apenas o soar dos corvos, em galhos secos, era o que se ouvia.

Sem alegria, o sol recuava para o seu refúgio dentre as montanhas.
E o céu sentia o vazio do crepúsculo rasgando suas "entranhas".

O restante da luz vai abandonando a casa mórbida que repousa ao chão.
E a penumbra, sorrateira, vai preenchendo os cômodos em cada vão.

No quarto, a janela range com uma dor fina e aguda, escancarada.
A brisa suave que entra, balança as rendas da cortina desgastada.

A visão além da janela revela árvores secas que não reagiam ao vento.
E dentro do quarto, uma velha cama que fôra consumida pelo tempo.

Sobre si, uma silhueta fraca e alva pairava sem muita compostura.
Com dedos cravados fundo na colcha rasgada, sentindo o peso da amargura.

Vestida com uma fina camisola suja que não vira o sol por anos.
E um coelho desbotado de pelúcia, estava envolvido na sujeira dos panos.

Ela, com olhos entorpecidos que estavam firmes na visão além da janela.
Observava vidas necrofadas, apodrecendo, que um dia já foram belas.

Vidrada no espaço seco à sua volta, nas panorâmicas, nas visões.
E o ar pútrido circulava, mas ela jamais o sentira em sua pele e pulmões.

Os pensamentos distantes, em memórias agoniantes que preenchiam o silêncio.
Lembrando cada minuto, quando teve a boca sufocada por algo imenso.

Enquanto, brutalmente, sua inocência ia sendo dolorosamente arrancada.
Sentir novamente o pânico e desespero daquele dia, sempre a perturbava.

Lembra-se, de canto, tentar visualizar a fisionomia do ser ameaçador.
Mas perdeu totalmente os sentidos, ao ser lançada contra a parede, com vigor.

As memórias cessam de repente quando o último feixe de luz toca seu rosto.
O sol se vai, e a lua, pálida, sobe aos céus para assumir o seu posto.

Com o coachar dos sapos, sua visão que estava firme, se contrai.
E dentro de si, uma última sensação saturada de salvação, se esvai.

Junto com o vislumbre da luz, a postura cansada, começa a se despedaçar.
Até o próximo pôr do sol chegar, para a "presença" então, retornar ao lugar."

Exílio • 2017




curiosidades:

O texto conta a trágica história de uma garota que foi violentada sexualmente e morta em sua própria casa. O desespero que a mesma passou naquele momento e o trauma que ela criou, fez sua existência permanecer para sempre em um ciclo interminável de sofrimento, sendo assim, no exato momento em que ela foi violentada (no por do sol) sua presença retorna para o local e recorda com toda a dor, tudo o que havia passado nas mãos de um sádico doentio, até a hora de sua morte (no início da noite) para que ela desapareça do local, aguardando então, o próximo crepúsculo para poder repetir seu ciclo de tortura, infinitamente.

A narrativa em si entrega muitos detalhes que revelam que, a garota já repetiu o seu mesmo ciclo por décadas, involuntariamente. Este também é o motivo da casa e toda a paisagem ao redor estarem desgastados pelo tempo.


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