Ilha Dearmad

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Os grandes prédios cinzentos que eram tão altos que quase tocavam os céus, com suas enormes janelas de vidro que refletiam a luz do sol aos poucos foram desaparecendo, substituídos por modestas casas coloridas do subúrbio, pintadas de acordo com o gosto de seus donos, uma tão diferente quanto à outra mostrando a singularidade de cada morador e então grandes árvores tomaram lugar na paisagem enquanto o carro percorria a estrada terra que gerava uma passagem entre a vegetação.

Era um dia quente e com poucas nuvens no céu, o sol brilhava e era impossível olhar diretamente para ele. Faltava pouco para as dez da manhã, mas ainda assim eu usava uma blusa de manga longa e calças compridas que protegiam a minha pele do sol e, principalmente, escondiam as feridas que ainda estavam sensíveis por terem sido criadas na noite anterior antes que eu caísse no sono.

Minha mãe estava me levando para uma clínica, para um tratamento mais intensivo, que ficava num lugar bem isolado, longe da civilização e consequentemente demorava horas para chegar. Eu estava sobre tratamento médico há mais de cinco anos e, neste período, não havia tido nenhum progresso e por isso ela havia decidido me internar, porque só assim eu poderia estar sob o olhar de médicos e enfermeiros o dia inteiro.

Ela havia tomado essa decisão sem me consultar, mas eu sabia que ela estava fazendo isso com boas intenções, para o meu bem-estar. Minha mãe trabalhava em casa e por conta da minha condição passava o dia inteiro cuidando de mim, já que as coisas não resultaram muito bem quando tentei morar sozinho num alojamento da faculdade. A única fonte de renda era seu trabalho de lavar e passar a roupa dos vizinhos, já que há alguns anos meu pai morreu num assalto quando voltava do trabalho, e ninguém me contratava devido aos meus antecedentes médicos.

Minha mãe é uma boa pessoa, dessas que não vê o mal em ninguém e tem bom coração, é compreensiva e sempre fez de tudo para cuidar de mim. Mesmo quando os médicos disseram que não havia cura ou um tratamento que solucionasse o problema, que mesmo com os remédios não mudaria muita coisa, ela insistia me levando a vários lugares diferentes para ouvir outras opiniões até ouvir sobre o Instituto E.Fluture , que diziam ter o melhor tratamento para doenças do psi.

A ideia de ficar num hospital e me tornar um interno era estranha. Eu não sabia se conseguiria me adaptar. Não é como se eu fosse sentir falta dos meus amigos do bairro ou da escola, pois esses eu havia perdido há muito tempo, ninguém me olhava nos olhos desde que fui diagnosticado, eles tinham medo de mim e, inclusive, sentiam vergonha. Com isso, me afastei deles e de todos que tentavam se aproximar de mim, pois sabia que estes não queriam nada além de me tornar uma célula observada num microscópio, um animal que queriam colocar num picadeiro para esperar o grande show.

Não era assim que eu queria ser visto, e por isso fazia de tudo para me tornar invisível e ignorar a todos. Agora, nesta instituição, pelo menos, não haveria ninguém me olhando torto já que todos ali são como objetos quebrados, tentando encontrar uma forma de viver sem todo o sofrimento que vivenciou anteriormente, exatamente como eu.

O carro ia cada vez mais ao norte, para a costa do país. O ar litorâneo começou a ser presente e eu sabia que em pouco tempo eu chegaria. Logo eu comecei a ouvir o som das ondas quebrando nas pedras. O carro foi estacionado perto do píer e descemos do veículo levando apenas uma mochila, pois teria de usar uma roupa própria de lá quando me internassem. Um homem que estava esperando ali no píer se aproximou, identificando-se como um funcionário do Instituto e nos levou até uma especie de lancha que parecia ser velha pelo desgaste de sua pintura.

— Este é o único meio de chegar a ilha — Ele falou nos assistindo a entrar na embarcação. Fomos instruídos a nos segurar, o mar estava agitado hoje e não seria bom se alguém caísse no mar.

Foram longas duas horas de barco, com a embarcação se elevando em cada onda e o vento bagunçando nossos cabelos, até que a ilha pôde ser avistada no horizonte. Inicialmente via-se apenas um amontoado de pedras e arvores que logo aumentou de proporção e então uma construção cinzenta começou a se formar em minha visão, nada além de uma grande e longa construção em pedra. Ali seria o meu lar de hoje em diante e eu não fazia ideia do que sentir com relação a isso. O barco manobrou para contornar a ilha até chegar a um pequeno píer, onde ancorou.

— Sejam bem-vindos à Ilha Dearmad — Ele falou depois de desligar o barco.

Um jipe que parecia ser da segunda guerra estava estacionado ao final do píer, no pé de uma estrada de terra que levava ao topo da ilha, para a parte mais plana, onde a parte rochosa era substituída por terra e vegetação, onde haviam construído o Instituto E. Fluture, longe de qualquer sinal de civilização, isolando os enfermos dos mentalmente sãos como na epoca em que as pessoas que sofriam de alguma doença infectocontagiosa eram levadas para colônias de doentes.

Uma pequena escada de dez degraus levava ao prédio que parecia um grande bloco retangular de três andares principais, com trinta e duas janelas.

Senti a mão de minha mãe agarrar o meu pulso, olhei para ela e vi sua mandíbula rígida e o olhar atento à construção, ela parecia nervosa desde que acordou esta manhã, mas ainda assim se vestiu impecavelmente para dar uma boa impressão mas, estranhamente, hoje o seu rosto parecia estar mais velho do que eu me lembrava.

Quanto mais o carro se aproximava, mais sentia algo estranho vindo daquele lugar. Não havia uma cerca de ferro com pontas afiadas para impedir a fuga, não era necessário devido as condições em que se encontrava o lugar. Um caminho feito de cascalhos fazia o carro tremer e balançar, e quando o carro estacionou próximo à entrada saímos do carro em silêncio.

Meus olhos passearam pelo lugar até pararem numa janela do terceiro andar, no extremo esquerdo, bem acima de onde o carro havia sido estacionado, era um garoto usando um conjunto de largas roupas brancas, não pude ver muito de sua figura, apenas pude notar que os fios de seus cabelos eram ruivos graças à luz do sol que invadia a janela e estes caíam sobre os seus olhos, impedindo de ver a cor deles.

Mais uma vez senti minha mãe me segurar e só assim desviei o olhar da janela, ela começou a andar em direção a porta de entrada, eu seguia um pouco atrás. Um brasão com o símbolo da instituição, uma borboleta cheia de arabescos, estava pendurado a cima da porta, o homem que ainda nos acompanhava abriu a porta, mantendo-a aberta para que passássemos primeiro e logo que cruzamos o arco da porta a mesma fechou atrás de nós, deixando-nos sozinhos. 

Um passo foi o que bastou para me transformar de um homem livre a um interno daquele lugar. Os cascalhos foram substituídos por um piso branco de porcelanato encerado que refletia a nossa imagem ao andar. As paredes brancas sem qualquer decoração ou marcas, lâmpadas estavam dispostas a cada passo com luzes fortes e ao olhar para elas pontos surgiam na visão. 

Os nossos passos ecoavam pelo corredor e eram os únicos sons do lugar, era como se ali não houvesse mais ninguém além de nós três. Foi minha mãe que me fez voltar a andar, e eu nem mesmo tinha notado que havia parado. Soltei a mão dela e me abracei ao sentir uma sensação de frio percorrer minhas costas, senti medo. Havia algo ali que não estava me dando uma boa sensação, eu sentia que algo estava errado, mas não sabia o que devia ser.

No fim do corredor, a aparição de um homem vestido todo de branco me assustou, seus passos sequer haviam ecoado quando ele surgiu. Seus cabelos eram negros, sobrancelhas grossas e olhos redondos, seu queixo era quadrado, sua expressão era séria e dava a sensação que conseguia olhar até mesmo dentro de minha alma. Engoli em seco enquanto nos aproximávamos cada vez mais dele.

— Sejam bem vindos ao Instituto E.Fluture, eu sou o Dr Kim Seokjin. Venham a minha sala para que possamos conversar, tenho certeza que temos assuntos a tratar e dúvidas a tirar antes que ambos se sintam completamente seguros com o bem estar dele aqui — O homem falou dirigindo o olhar a mim e eu me senti desconfortável sob seu olhar. Pelo canto do olho vi minha mãe dar um sorriso e, me segurando, ela me levou consigo até a sala que o homem indicou.

Mas mesmo que o homem tenha dito aquilo, eu sabia que eu havia passado por aquelas portas para não mais sair.

C O N T I N U A



20200628

Efeito Borboleta ↠ Dearmad [BTS]Onde histórias criam vida. Descubra agora