Aluída

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Entre milhares de pensamentos, surge uma dúvida que - na melhor hipótese - é descartada se não for relevante. Contudo, a partir do momento em que ela continua intacta, a fome por resposta surge; aos poucos a dúvida se alimenta da sua atenção, ela cresce, o espaço para outras reflexões é anulado, ela torna-se cada vez maior. O mundo externo é ofuscado, somente a sua psique prevalece, deixando-a presa até conseguir decifrar o enigma.

As três noites de lua cheia parecem rápidas comparada à noite em claro que eu passei. Lembrei do seu olhar direcionado para direita enquanto divagava, dos seus lábios e das palavras que ele pronunciou, tudo foi extremamente tentador e por isso acabei cedendo para a curiosidade.

Abri tão rápido as pálpebras quanto fechei, quando me dei conta os galos já estavam cantando. O cansaço por - quase - não dormir foi esquecido, ansiava profundamente pelo conhecimento, por outro ponto de vista e por vê-lo. A partir do momento em que eu o vi, parei de caminhar reto, sem olhar para os lados e para trás; passei a ver outras possibilidades.

Fiz os meus afazeres durante a manhã, falei para a minha mãe que irei almoçar com os meus amigos novamente, porém ela me fez prometer que a verei depois já que precisamos conversar. Corri para o mesmo local em que o encontrei ontem, estava animada. Contudo, pude ouvir o barulho da rachadura do vibro e, posteriormente, dele quebrando em milhares de pedaço quando não o vi; toda a minha expectativa foi dissipada.

As árvores e a grama continuavam do mesmo jeito, não tinha uma figura diferente no meio da paisagem verde. Escorei-me na cerca e esperei, porém Jeon não veio. Eu não queria desistir, mas conforme o tempo foi passando, percebi que não adiantaria aguardar uma pessoa que surgiu de forma imprevisível e, talvez, a decepção seja o preço que eu tenha que pagar por não seguir as regras.

- Estou de volta - digo sem ânimo.

A minha mãe está regando as ervas que usávamos para tratar os pacientes, este é o nosso único estoque de plantas, se elas morrerem não há como encontrarmos mais visto que não podemos - ou conseguimos - sair da cerca.

- Hoje o dia está lindo - ela diz, quase, cantarolando.

- Concordo. - minto. Assopro a mecha de cabelo que cai em cima dos meus olhos.

O nosso humor determina a forma como enxergamos o mundo. A manhã colorida parece um passado distante. Agora, tudo está cinza e tedioso para mim.

- O que eu tenho para falar é algo sério e de nosso agrado.

Assinto, observando as gotas d'água que escorrem das plantas, caindo na terra úmida.

- A boa notícia é que você vai casar, minha pequena.

O nó na garganta me impede de falar, isso só pode ser uma brincadeira de mau gosto. Contudo, o seu sorriso estonteante indica que essa é a mais pura verdade, o dia que eu mais queria adiar, finalmente chegou.

- Como? - balbucio.

- Com quem é a pergunta certa. - Ela interrompe o que estava fazendo e anda até ficar em minha frente, colocando as suas mãos em minha clavícula. - É com o Seokjin.

- O filho do líder... - sussurro.

- Não é maravilhoso?

"Não, não é", penso. Eu não tenho nenhum sentimento amoroso por ele e nem somos amigos. Não consigo me imaginar vivendo ao lado de um homem em que não nutro a paixão. Além disso, apesar de não existir muitas funções para as mulheres em nossa sociedade, quero aprender e ter uma vida diferente neste momento.

- Mãe. - Afasto-me dela. - Eu não estou pronta para casar agora, e-eu...

- Ele é o melhor companheiro que você irá conseguir, já conversei com o Hankyul e não podemos voltar atrás - esbraveja.

- Eu não o amo!

As lágrimas vertem incontrolavelmente. Queria acreditar que eu poderia fazer as minhas próprias escolhas, é doloroso saber que nunca poderei porque o meu papel está fadado a partir do meu nascimento.

- Você irá amá-lo. Minah, você precisa casar e ter filhos, preciso ter mais de você.

Eu errei ao virar as costas para a minha progenitora, todavia, preciso de um momento sozinha. Agir em prol das emoções - geralmente - acarreta em problemas, mas como ser racional quando se está quebrada?

Sempre segui disciplinadamente as duas principais regras e nunca duvidei de sua veracidade. No entanto, não consigo concordar com alguns pontos de nossa sociedade. Eu quero casar, porém não agora. Não entendo essa urgência para constituir uma família, e a forma como o amor é descartado.

Limpo as lágrimas enquanto caminho, o que eu não preciso neste momento é chamar atenção. O vilarejo é pequeno, qualquer acontecimento acaba ganhando uma grande repercussão, avisto o Taehyung treinando os lobos à direita, ainda me pergunto se é necessário que eles vigiem as cercas durante à noite já que o resultado sempre será o mesmo, pessoas continuam fugindo, ou melhor, desaparecendo.

Guiada pelas minhas pernas, me distancio o máximo possível das casas, sou recebida pela vegetação. Um trovejar me assusta, interrompendo o meu próximo passo, uma vasta nuvem cinza recobre boa parte do céu; em breve, a tempestade irá nos dará boas-vindas. Ao olhar para frente, os segundos se alastram, Jeon está escorado na cerca, de costas para mim.

Aproximo-me dele sorrateiramente, ainda formulando o que irei dizer. Contudo, ele me intercepta antes, sem demonstrar surpresa com a minha chegada.

- Desculpe-me pelo atraso. - Jeon interrompe a fala para me analisar. - Estava chorando?

Ignoro a sua pergunta, não quero que a minha resposta seja um gatilho para o que a minha me contou. Preciso esquecer, mesmo que seja momentaneamente. Sento-me de frente para ele, não consigo o encarar. Não posso negar que a sua presença me intimida visto que não sei o que esperar do Jeon.

- Conte-me o que você sabe, por favor. - O meu olhar está fixo na grama, arranco algumas enquanto aguardo a sua argumentação.

- As macieiras estão aqui há muito tempo?

- Desde que eu nasci, por quê?

Mais outro trovejar, o tempo está acabando; a nossa conversa precisa ser breve.

- O fruto proibido que tirou a pureza dos humanos, hoje é primordial. Onde há pecado, nasce macieiras. A maçã tem uma nova função, ela anula a magia negra temporariamente.

A cada nova informações que ele proferia, o temor dentro de mim crescia. Ergo o olhar incrédula, tentando captar qualquer resquício de mentira. As suas íris castanhas encontram com as minhas, nem mesmo a ventania é capaz de quebrar o nosso contato.

- Isso não pode ser verdade - falo paulatinamente.

A minha cabeça começa a rodar, as poucas lembranças da minha infância me acometem aliada aos acontecimentos de hoje. Levo a canhota até a testa, na vã tentativa de fazer a vertigem parar.

- Minah, eu não tenho motivo para mentir.

- Eu não sei o que pensar. - admito. - Mas quem não me garante que você não é o responsável pelas fugas misteriosas? Jeon, eu preciso saber de uma coisa, você é humano?

A sua boca se movimenta, porém nenhuma palavra é dita. Ele parece ponderar sobre o que responder, confirmando o que eu pensei ao seu respeito. A água cai com veemência, colidindo em nós. Fico imóvel, deixando que ela lave toda a incerteza que está impregnada em mim.

- Deve haver alguma prova, não feche os seus olhos.

E, pela segunda vez, viro-me para partir. Não tenho rumo, linearidade e um recinto para denominá-lo de seguro. Questiono-me se foi um erro dialogar com um desconhecido, se a taça em que ele me oferece a sua verdade, será a minha ruína. Ou, quem sabe, me salvará.

O Vale das MaçãsOnde histórias criam vida. Descubra agora