O Vale das Maçãs

Recomeço

O fim, e o início de uma nova era não foi da forma que eu imaginei. Naquele fatídico dia, os soluços que escapavam da minha boca eram trovões, as lágrimas eram nuvens cinzas - um aglomerado de tristeza - e a dor no peito era um tornado devastador.

Após um mês, os sentimentos ficaram estáveis, ou, era o que aparentava. O inverno tinha chegado para mim e, com ele, os primeiros flocos de neve caíram na minha tez. Eu estava congelando por fora, era mais fácil reprimir o que me afligia. No entanto, por dentro eu continuava com as mesmas sensações, com a mesma dor que diminuía lentamente.

Depois da tempestade, resta somente os destroços. Eu poderia reutilizar os fragmentos para me reerguer e construir algo novo, porém, nem todas sementes geram boas árvores e, consequentemente, bons frutos. O pretérito deve ficar para trás, por isso decidi seguir uma nova direção; semeando e criando a minha própria colheita - o futuro.

Durante o meu luto, Jeongguk permaneceu ao meu lado. As suas palavras acolhedoras e, acima de tudo, a sua companhia foram de extrema importância para mim. Toda vez que ele me olhava e a sua simples presença demonstrava que eu não estava só, que eu o tinha nos momentos difíceis e felizes.

A felicidade é uma faca de dois gumes. Parte de mim estava desolada na última noite de lua cheia, mas outra reconhecia a alegria alheia. Foi um choque para todos quando o Hankyul se pronunciou: durante a minha discussão com a Moyeon, ele ouviu tudo e lembrou parcialmente de alguns acontecimentos. Movido pela ira, ele agiu intuitivamente.

A magia que impossibilitava a passagem pela cerca foi desfeita e as memórias de todos foram devolvidas, trazendo a verdade à tona. Entretanto, ninguém mais queria residir naquele lugar que passou a ser fonte de más lembranças e por causa do demônio que ainda é um incógnita. Ele é o meu único assunto pendente, todavia, não desistirei até encontrá-lo.

A melhor alternativa era pedir abrigo ao rei. Depois de muita conversação e de alguns testes para provar que eles são - realmente - humanos, foi decretada à moradia permanente deles. No entanto, eu não pude ir porque, agora, o selo que restringia os meus poderes foi quebrado. Mesmo que demonstrasse que não faria mal a ninguém, iriam me caçar apenas pelo fato de eu carregar o sangue das criaturas mais odiadas e temidas.

O meu maior medo era ter que me alimentar de humanos, sem sombra de dúvida, eu preferia me entregar do que machucar uma pessoa. Jeon me explicou que as bruxas têm um maior parentesco com os indivíduos comuns e, assim, anulando a parte da fome em mim. Outra suposição é pelo fato de eu ter o coração de um humano, livre da malignidade dos demônios; porém, creio que isso não tenha embasamento.

- Gukie? - Tateio a cama procurando por ele, mas não há ninguém.

"Ele deve ter ido na frente", penso ao levantar. Abro a janela, permitindo que os raios solares entrem. Cerro os olhos devido à grande claridade e, conforme as minhas pupilas se acostumam, me aproximo. O frescor da manhã e a paisagem verde vibrante me deixa tranquila; é gratificante poder apreciar novamente os pequenos detalhes. Finalmente, encontrei o equilíbrio e me sinto pronta.

Sorrio ao ver que a mesa está farta, Jeon sempre deixa tudo pronto e organizado. Todavia, é estranho fazer uma refeição sem a sua companhia. Foram apenas alguns meses morando juntos, mas parece que convivemos há milhares de anos. Além disso, ele é um ano mais velho do que eu, mas a pouca diferença de idade não anula ou diminui a sua áurea repleta de responsabilidade para mim.

Após estar devidamente saciada, afasto os móveis e abro o compartimento secreto, onde há um arsenal de armas. Retiro a minha escapa, observo o meu reflexo através da lâmina. Ela tem o mesmo modelo da espada do Jeongguk, exceto pelas cores: os arabescos e o pomo são vermelhos. Quando eu utilizá-la, o carmesim cobrirá os adornos, porém servirá como tinta: deixando os traços ainda mais vívidos.