Capítulo IV

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A noite havia caído. Parece que tinham esquecido de trazer comida para ele. Até aquela hora, Victor tinha se sustentado com algumas balas que achou consigo. Apesar da fome e da fraqueza física, seu plano ainda estava bem fixado na mente. Era tudo ou nada.

Recostado à porta, ouviu algumas vozes. Eles tinham chegado. Era agora.

O trinco da porta foi puxado do lado de fora. Lentamente, o homem abriu e entrou. Pela fresta que pôde ver do lado de fora, por alguns instantes, viu que no lugar onde estava não tinha energia elétrica, pois tinham algumas lanternas lá. Mas o que mais o transtornou foi ter visto quem segurava as lanternas. Aquilo foi um choque. Por que eles estavam ali? Qual era a ligação disso? Espantado e sem entender o que estava acontecendo, ele pensou em desistir do plano, mas achou que estaria perdendo uma oportunidade de fugir.

- Victor? Está tudo bem? - ele havia percebido a cara de espanto do garoto.

- Melhor não poderia estar! - usou um sarcasmo que nunca tivera usado antes - O que você quer?

- Primeiro você deve comer. - entregou uma sacola ao rapaz. Curioso, o menino abriu a sacola e viu que tinha dois pães. Para alguém acostumado a banquetes luxuosos, não era muita coisa, mas para alguém com fome já era o suficiente. Acho que Victor nunca havia comido algo com tanta vontade como a que ele comeu nesse dia. - Mas guarde para amanhã. Não viremos aqui mais.

Deixando a comida de lado, perguntou:

- Por que vocês estão fazendo isso?

- Oras, por qual outro motivo seria?

- Como vocês são capazes de descer tão baixo por causa de dinheiro?

- Você ainda pergunta? Isso tudo vai mudar nossas vidas!

- Quando pretendem pedir o resgate?

- Logo. Ainda não é a hora.

Chegando mais perto do homem, Victor disse:

- Não. Vocês não vão pedir nenhum resgate! - O homem olhou para Victor sem entender o que ele estava falando - E sabe por quê, professor? Porquê vocês não vão estar mais aqui para fazer isso!!!

Em um movimento rápido, Victor tirou o canivete do bolso e cravou-o na barriga do professor. Com um gemido, Wright caiu no chão. Ele estava morto.

- O que está acontecendo aí??? - o outro homem perguntou do lado de fora, porque ouviu um barulho. Como não obteve resposta, abriu a porta e se deparou com o corpo de professor Wright estirado no cômodo.

- O que você fez, seu idiota!? - ele veio para cima de Victor. O garoto tentou acertá-lo com o canivete, mas foi inútil. Com toda a raiva que tinha, o homem segurou o menino pelo pescoço e deu-lhe um soco no rosto. Pela força da pancada, Victor desmaiou.

*          *

 A grande mansão dos Frekly ficava no lado sul da cidade. O motorista da família de Alfie sempre estava com pressa, por isso escolheu a velha estrada de Longbridge; apesar de ser mais curta e de poupar tempo, a estrada tinha muitas curvas e era um pouco perigosa para um apressado, principalmente à noite.

- Esse bosque me dá medo todo escuro... - disse Oliver, no banco de trás do carro, olhando pelo vidro.

- É só um monte de árvores, Oliver! - Alfie quase nunca  sentia medo.

Atravessando a ponte Royal Clegg, que por sinal ficava muito linda à noite, o motorista fez manobra para entrar no bairro mais rico da cidade. Passando pelas ruas do bairro, as grandiosas casas não chegavam nem aos pés da imponente mansão Frekly.

-Meu Deus! Nunca me canso de dizer o quanto esse lugar é grande! - Oliver disse olhando boquiaberto, como sempre, para a mansão da família do amigo.

Separando a casa do convívio com as demais, havia uma enorme cerca de ferro, que a circulava. O metal, todo trabalhado artisticamente na parte de entrada para o terreno dos Frekly, provavelmente era polido todo dia, ou pelo menos uma vez por semana, pois mesmo de noite era possível ver que ele reluzia.

Alfie apertou o botão do interfone fixo ao portão e uma voz perguntou do outro lado:

- Quem é?

- É  o Alfie e o Oliver, amigos do Victor. Senhor George e senhora Anna estão?

A resposta demorou a vir.

- Sim, eles estão em casa.

-Poderia abrir o portão para nós?

Mais uma vez houve silêncio do outro lado da linha do interfone.

O portão eletrônico abriu inesperadamente, e os garotos entraram. Do lado de fora não era tão nítida a imensidão do lugar, pois as grossas barras de ferro da cerca tapavam a visão dos que tentavam bisbilhotar a mansão.

Passando pelo caminho pavimentado que levava até a porta da casa, era possível ver o jardim que existia mais ao fundo, com uma fonte, e a coleção de carros de George, na garagem. George era apaixonado por carros, e isso fez Victor sentir ciúmes algumas vezes. Isolado dos outros veículos da coleção, o carro que os pais de Victor usavam para o dia-a-dia estava um pouco sujo de lama; chovera ontem à noite, pela madrugada. O carro preto de luxo no mínio estava estranho: em Longbridge quase não haviam estradas de terra e as que existiam não trariam um sentido satisfatório para que pessoas tão ricas quanto eles estivessem lá.

A grande porta da mansão foi aberta por uma empregada. Sentados no confortável sofá, os garotos ouviram barulhos estranhos no andar de cima. Ouviram vidros sendo quebrados e arremessados contra a parede. Parece que era uma briga.

- Acho que não chegamos em boa hora! Vamos sair daqui! - foi instintivo Oliver sussurrar.

Antes que pudessem sair da casa e irem embora sem serem percebidos, alguém desceu com raiva a escada. Era a senhora Anna.

- Eu ainda vou pegar tudo o que é seu!!! - ela gritou, antes de continuar a descer a escada. As brigas eram frequentes na mansão dos Frekly. George e Anna brigavam por tudo e quase sempre resolviam se separar, mas depois voltavam ao normal. Às vezes os ânimos se alteravam muito, e quem pagava o pato eram os enfeites dos móveis.

Para alguém que acabou de ter o filho sequestrado, Anna parecia estar muito bem. Alfie e Oliver foram até a casa do amigo para consolar um pai e uma mãe desesperados, suplicantes por notícias do filho, mas parece que isso não existia ali. Pela primeira vez, os dois  realmente pensaram em levar em conta tudo aquilo que Victor dissera sobre sua família. Não havia uma lágrima, um só lencinho perdido pela casa. Não havia tristeza. Oras, mas não é possível!   

- Senhora Anna! - Alfie ficou sem jeito em ter presenciado  aquela briga de casal, pelo menos o fim dela - Viemos ver se vocês estão bem.

- Melhor impossível - ela foi grossa.

- Mas Victor ...

- Victor será encontrado logo! Tenho outros problemas para resolver!

- Mas senhora Anna, nós...

- É só isso que queriam? Então vão embora. Boa noite - a mulher foi empurrando os dois para fora da casa e fechou com violência a porta por trás deles. Ainda puderam escutar ela gritar com o marido novamente:

- Nossa conversa não acabou, George!

Se sentindo como um cachorro pulguento que foi escorraçado para fora da mansão, Oliver exclamou:

- Essa mulher é louca! Só porque é casada com um dos homens mais ricos da cidade ela pensa que pode nos tratar assim? E ela nem se importa que o filho sumiu! Victor falava a verdade sobre seus pais!

- Isso é muito estranho Oliver. Como uma mãe não é de se importar com um filho desaparecido? Isso é muito suspeito. Muito suspeito. - Alfie refletiu.

Abandonando a mansão dos Frekly, os dois garotos entraram no carro e foram para suas casas. 

Onde você está, Victor?Onde histórias criam vida. Descubra agora