FIRE

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Voltando a caminhar pelas margens do rio, Isak brincava com os anéis prateados em seus dedos, tentando contar de uma vez o seu segredo a Even.

— Se não quiser me contar, eu irei entender… Eu só fiquei um pouco assustado porque nunca vi algo do tipo na vida real… Só em filmes, e eu realm…

— Eu sou a reencarnação de seres com poder de cura. — parou na frente do maior praticamente cuspindo as palavras, todas rapidamente.


— Você é o quê — franziu o cenho.

— A história é muito longa e eu tenho preguiça de relembrá-la, tanto porque minha mente faz-me recordar sobre todas as vidas dos meus antepassados. 


— Estou perdido.

— Algumas pessoas foram agraciadas com poderes de cura, a um tempo atrás. A grande maioria foi condenada à forca por imaginarem que eram bruxos e pessoas maldosas, já que antigamente tudo era motivo de feitiçaria. Restou-se apenas um, e esse mesmo deu sequência e passou seus poderes para pessoas de uma certa linhagem. E… Aqui estou eu.


Even  sorriu e virou-se de costas, pondo as mãos na cabeça e ficando sério. Seu cérebro chacoalhava e tentava assimilar o que Isak dizia.

Era um absurdo… E impossível de se crer.

Valtersen pôs as mãos na cintura do maior e o virou novamente, abaixando um pouco para olhá-lo, já que Even estava cabisbaixo.

Suas pupilas dilataram iguais as de um cão pedinte.

— Sei que isso é loucura, mas precisei revelar isso a ti ou então você morreria naquele dia… E sabe aquele homem ao qual o atropelou?! Eu o conheço.

— Hein?! — Naesheim  levantou a cabeça, ainda com o cenho franzido e formando várias linhas de expressão em sua testa.


— Não, eu não o conheço, porém conheço… Espera. — massageou as têmporas como se sentisse uma forte enxaqueca — Ele sabe o que eu sou, pois já relacionou-se com uma pessoa como eu… Eu não recordo-me o que houve, mas eles não ficaram juntos. Provável que ele fez aquilo de propósito…

— Já que o amor foi-lhes tirado, ninguém que seja igual a você tem o direito de amar alguém… — concluiu.


— Isso. — afirmou, passando os dedos sobre os cabelos caídos à testa de Even — Não é sempre que posso fazer o que fiz naquele… Eu só fiquei com medo que você… Que você morresse. Estava sangrando muito e você parecia quase desacordado…

O maior deu um pequeno sorriso e acenou com a cabeça, segurando a mão de Valtersen  e o puxando.

— Eu achei uma coisa… Preciso o mostrar.

Even começou a correr mata adentro, pulando os troncos como se participasse de uma corrida olímpica.

Isak tentava o acompanhar, mas Even estava muito eufórico e agitado. Era uma criança animada, querendo mostrar uma novidade a um adulto.
No meio do nada, o de olhos azuis  foi diminuindo os passos até parar perto de um trailer prateado e velho.

Esperou que Valtersen chegasse perto para poder entrar. A porta só estava encostada, já que não fechava mais por conta do tempo.

Por dentro, o trailer era ainda menor, mas estava preservado. Sobre uma bancada que servia de mesa, vários desenhos, todos iguais.

Even pegou um deles e, com um sorriso tímido e um leve rubor nas bochechas, entregou a Isak, que o recolheu e o olhou.

Os rabiscos a lápis mostravam um Isak sorridente, com o seu olho direito pintado à um amarelo bem forte.

Os outros desenhos ao trailer também eram Isak, mas só aquele o exibia com a orbe dourada.

Ganhando uma tontura, Valtersen foi golpeado por algumas lembranças, mas não eram suas e sim, de uma pessoa que tinha relação ao homem que atropelou Even, seu antepassado mais recente.

— Sabe quem os fez? — indagou Even, encostando-se na bancada.

— Sei, mas não sou eu.

— Como não?

— Não sou eu… Mas eu era bem parecido com o meu antepassado.


Valtersen  segurou o seu amuleto, que estava por dentro da camisa, deixando o desenho para trás e saindo do trailer.
Foi seguido por Even, que ficou alguns centímetros mais distante, o dando espaço para pensar e fazendo o mesmo.

Retornaram para a árvore perto do lago, para que o maior  pegasse o seu caderno. Voltaram para o outro tronco onde Isak  havia encontrado Even logo ao chegar naquele espaço.

Só então, Isak olhou para Even, que deixava seu caderno ao tronco. Olhavam-se nos olhos um do outro, buscando respostas para suas perguntas.

— Você lembra de mais alguma coisa de seus antepassados?

— Sei que eles sempre acabaram sozinhos para proteger alguém. — alegou um tanto triste.

— Mas por quê?

— Porque somos seres que curam, Even, fomos feitos para ajudar, não para levar uma vida normal…

— Então… — abaixou a cabeça e chutou o ar, controlando o tremor em sua voz — Você nunca vai poder ficar com alguém que goste?

Isak não respondeu. Tirou de dentro de sua camisa o seu amuleto e olhou para cima.

De sua boca, saíam algumas palavras inaudíveis, como se aquilo fosse um mantra.

Sobre o céu, um clarão cruzou as nuvens, como um cometa ou uma estrela cadente. Valtersen fechou os olhos e fez um desejo, respirando fundo ao finalizar.

Voltou-se a Even, que ainda tinha uma feição triste no rosto.
— Não fique triste. — pediu — Também é complicado para mim.

— Podemos trabalhar com suposições?


Isak sorriu ironicamente, mas fez que sim com a cabeça.

— Okay, hum… Olhe para mim. — Isak o fez. Naesheim  abriu os braços e girou em torno de si pouco mais de três vezes — Agora feche os olhos. 

O loiro , ainda sorriso, assim o fez, segurando um pouco mais forte o seu amuleto.

Mesmo de olhos fechados, ele sentia o calor do corpo de Even, sabendo que ele estava até então distante de si.

— O que você pode ver?

— Nada…

— Então projete uma imagem em sua mente.

— Tudo bem… Hum… Já o fiz.

— Então, o que você pode ver?

— Eu posso me ver… — mordeu os lábios.

— Vê a si mesmo? —Valtersen afirmou — Só isso?

— Não. — negou. Abriu os olhos e deu um passo para frente, sentindo a respiração pesada de Even em seu rosto — Eu posso me ver… Com você.

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