Capítulo 03

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No terceiro capítulo eu relato o fato que vai mover toda a história daqui em diante: a covarde execução da família Silva pelo capangas de Carlos Lucena. É nesse momento que conhecemos o cruel Zé Caolho e seu bando de jagunços. Muitos dos que leram o livro me acusaram de ser tão cruel quanto os personagens e alguns até sugeriram que o episódio é uma apologia à violência. No entanto minha intenção foi meramente mostrar aos leitores a realidade do nível de violência e a forma extremamente radical com que os coronéis(ricos fazendeiros) do interior do nordeste resolviam suas questões nas primeiras décadas do Brasil republicano. Devo admitir que posso ter exagerado um pouco nos detalhes e na frieza com que os algozes agem, mas foi a melhor forma que achei de contar a estória com a intensidade que a mesma merece.

Confiram a íntegra do capítulo. Espero que gostem.

 3

CHACINA

Já é mais de meio-dia, o sol está literalmente ardendo, o calor insuportável do sertão nordestino que abrasa as terras de João Silva faz com que todos os animais de seu pequeno sítio procurem abrigo nas sombras de alguma árvore seca ou paredes da casa e do velho depósito de ferramentas. O vento está forte e, vez por outra, levanta pequenas nuvens de areia.

Felícia sai de dentro de casa e chama em voz alta:

– Sr. João! O almoço está na mesa!

João surge de trás de um monte de mato ressecado que ele acabara de colher. Muito suado, ele coça a barba e responde:

– Já estou indo, Felícia.

Lá na cozinha da casa, a mesa já está pronta, os cinco filhos do casal Silva estão cada um com seus pratos esperando o chefe da família chegar para então começarem a satisfazer a sua fome. João chega, olha para todos, solta um leve sorriso e avisa:

– Não esperem por mim, ainda vou tomar um banho.

Todos começam a comer numa festa só, enquanto João entra no pequeno banheiro para tomar seu banho.

Pouco tempo depois, as crianças descansam do almoço, inclusive o caçula Joãozinho, que dá um cochilo no colo de sua irmã Marina. Teresa observa João devorar sua comida e comenta:

– Pelo jeito você gostou da comida de hoje.

– Não sei quem cozinha melhor, se é você ou é Felícia – responde João comendo uma coxa de frango.

Em seguida, Teresa se volta para Felícia e ordena:

– Felícia, vá à cacimba e traga água fresca pro João, pois a que tinha aqui já acabou.

– Sim senhora – responde de prontidão a negra e imediatamente pega um balde e parte em direção a cacimba, que fica lá no meio do terreiro da casa.

João continua devorando o frango, sempre observado por Teresa, e as crianças continuam descansando, quando de repente o silêncio é bruscamente interrompido por um forte barulho, como se fosse o de um tiro de algum rifle. Muito espantados, os garotos despertam rapidamente de seu descanso. João e Teresa se levantam da mesa meio atônitos. Marina observa Felícia escorada no peitoril da cacimba, cambaleando até soltar o balde e cair no chão. Teresa grita:

– Felícia!

– Felícia! – gritam também os garotos quase que em coro.

João olha espantado para aquela cena, ele não entende o que houve com a velha mulher. Os garotos, com exceção de Joãozinho, correm para ver o que acontecera com Felícia. Ao chegarem junto à negra, José a desemborca: os olhos dela estão abertos, mas estáticos, e não respira mais. Marina observa o sangue que escorre de um buraco no tórax de Felícia, e logo eles concluem que aquele buraco fora feito por uma bala, o que explica o barulho ouvido por todos. Judite começa a chorar e se abraça com o cadáver, mas os garotos também sabem que quem disparou o tiro ainda deve estar por perto, e assim como acertou a pobre mulher, pode fazer o mesmo com qualquer um deles. Porém, antes deles se darem conta do perigo a que estão sujeitos, ouve-se outro tiro: o medo toma conta de todos, e João agora tem certeza de que ele e sua família estão sendo atacados covardemente. Paulo cai sem vida no chão. João se desespera e sai gritando em direção ao filho:

"TERRA SEM LEI" - Romance sertanejoOnde histórias criam vida. Descubra agora