Capítulo 08

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O bar da pousada está calmo, algumas pessoas, em sua maioria homens, conversam uns com os outros enquanto tomam suas bebidas, nota-se que apenas dois sujeitos estão embriagados, e esses mesmos estão quietos num canto sujo do chão, onde dormem. No balcão está uma senhora de pele clara e cabelos negros, com uns quarenta e poucos anos, muito elegante, e um jovem rapaz, que parece ajudar a mulher a atender os clientes. Ao entrar pela porta principal, João interrompe o pouco movimento que tinha no bar, pois novamente todos param para observar aquele estranho, com uma mochila no ombro e uma capa grosseira que eles jamais tinham visto. Já acostumado a chamar a atenção, ele avança tranquilamente pelo bar em direção ao balcão; o rapaz enche o tórax e se aproxima da mulher, como se estivesse avisando a João que ele a estava protegendo. Os poucos clientes que estavam conversando, agora cochicham entre si, certamente comentando sobre quem e de onde é aquele forasteiro.

Alheio a qualquer comentário e sempre com um olhar gélido, João chega ao balcão, onde se senta num dos vários bancos vazios, coloca a mochila em cima do balcão, tira seu chapéu e comenta:

- Não se preocupe garoto, não pretendo fazer nada com ninguém, eu só quero um lugar pra passar a noite.

Ouvindo as palavras do estranho, o rapaz melhora seu semblante e relaxa mais o peito, enquanto a mulher responde:

- Ah, então o moço quer um quarto pra dormir?

- Se ainda tiver algum... - afirma João tirando sua capa e a colocando num banco vizinho.

- Claro que tenho, mas saiba que cliente novo paga adiantado - avisa a mulher se escorando no balcão e encarando João de frente.

João dá uma olha no salão do bar, vê o pouco movimento das pessoas que ainda o olham meio receosas, então frisa bem seu olhar na mulher, e com jeito de quem não gostou do que ouviu, afirma:

- Não é à toa que sua pousada está tão vazia, Senhora, visto a maneira como ofende a um cliente.

- Ora meu senhor, antes vazia do que saqueada! - responde a mulher com um sorriso irônico.

De súbito João se levanta do banco e agarra a mulher pela gola de seu vestido, o rapaz então volta para junto dela buscando soltá-la das mãos de João, que a segura firmemente. A mulher, com os olhos esbugalhados e já perdendo o fôlego, tenta se soltar, mas em vão. Os outros clientes do bar se levantam de suas mesas espantados com o comportamento daquele homem, enquanto outros saem do estabelecimento, temendo o pior.

- Solta ela ou eu te quebro a cara! - avisa o rapaz segurando o punho de João.

- Tu quebra a cara de quem?

O jovem percebe o olhar avassalador de João atravessá-lo como uma lança, percebendo que, naquele momento, qualquer outra coisa que dissesse seria capaz de fazer com que João soltasse a mulher e imediatamente partisse pra cima dele. Como o rapaz não disse mais nada, João acaba se acalmando e solta a mulher, que tossindo um pouco por causa do aperto no pescoço, tenta arrumar novamente o vestido. Ninguém ali no salão ousou dizer ou fazer alguma coisa, tamanho era o medo que causava a presença daquele estranho. A mulher se apoia no balcão e tenta respirar o máximo possível, buscando recuperar o fôlego. João senta-se novamente procurando manter a calma, em seguida abre a sua mochila e indaga:

- Quanto é o quarto?

- Cinco contos - responde a mulher ainda recuperando o fôlego.

Ele então retira o dinheiro da mochila e entrega à mulher dizendo:

- Vou ficar por hoje.

A mulher pega o dinheiro, conta as cédulas e com um tom mais brando, afirma:

- Tudo bem, moço. Tudo bem. Fernando, vá mostrar o quarto ao senhor...

- João. João Filho - completa o exausto homem já louco para descansar.

- Ao senhor João Filho, depressa! - continua a mulher se voltando para o seu ajudante.

Os clientes no salão voltam a se sentar em suas cadeiras, visto que a situação parece ter sido controlada. João pega sua mochila e a capa, coloca novamente o chapéu na cabeça e começa a caminhar em direção a Fernando, que o conduzira até o quarto. Porém, a mulher mais uma vez se volta para João e o chama soltando novamente um sorriso irônico:

- Ei, senhor nervosinho.

Ele olha mais uma vez para aquela mulher, que parece ter sido a única ali a não ter sentido medo dele.

- Pois não?

- Espero que goste da dormida. Meu nome é Yara - afirma a mulher já quase que jogando um pouco de charme, mesmo que discreto.

- O prazer é todo seu, Dona Yara - responde João com um semblante bem fechado e já se voltando novamente para Fernando, que já o espera na subida da escada rumo aos quartos da pousada.

Yara mais uma vez sorri, e observa aquele forte homem subir a escada seguindo Fernando, até parece que ela acabou gostando do aperto que João lhe dera no pescoço.

O jovem Fernando conduz João até o quarto, destranca a porta e a abre, em seguida entra no pequeno quarto, onde há uma cama de solteiro com os lençóis ainda meio sujos, um criado-mudo de madeira quebrado, além de um banheiro, que tem apenas um aparelho sanitário de alvenaria e uma banheira velha de louça. João entra e observa tudo aquilo, o que para ele já está bom demais, afinal ele só quer tomar um banho e dormir. Fernando troca os lençóis da cama, destranca a janela, coloca chave no lado de dentro da porta e avisa:

- Está pronto, Sr. João. Quando for tomar banho, é só puxar o torçal ali em cima, a água ainda dá pra encher a banheira.

- Tudo bem - responde o forasteiro jogando a capa e a mochila em cima da cama.

Fernando já está saindo do quarto quando de repente para e volta-se novamente para o homem:

- Sr. João?

- Diga rapaz - responde João já tirando as botas.

- É sobre o que houve lá em baixo. Não ligue não. Ela é minha irmã e o jeito dela é assim mesmo - explica o rapaz quase que se desculpando pela indelicadeza de Yara.

- Tua irmã? - indaga João meio que admirado.

- Sim. Somos irmãos e cuidamos dessa pousada desde que nosso pai morreu.

- Está bem rapaz, não te avexe. Já conheci mulheres mais grossas que essa tua irmã - comenta o jovem cansado, já tirando a camisa e jogando-a na cama também.

Fernando respira mais aliviado e então sai do quarto fechando a porta, enquanto que João vai até a janela e a abre, escorando-se na borda e simplesmente olhando para o céu já estrelado. Ele observa o movimento da cidade lá embaixo no início da noite, e não tem muito o que ver, pois em cidades pequenas como Ibipiranga, as casas e estabelecimentos comerciais fecham cedo, e apenas os bares com seus poucos clientes é que ficam abertos até mais tarde. Mas ele parece gostar de olhar para aquela calmaria que predomina na cidade naquele instante, onde da janela é possível ver ainda algum movimento de crianças brincando no pequeno patamar da igrejinha do município. Talvez ele esteja se lembrando das vezes em que viera com seu pai até essa cidade, e de quantas vezes ele também brincou naquele lugar. Belas lembranças que são dilaceradas pela recordação daquele fatídico dia em que perdeu toda a sua família de forma tão brutal. João deixa a porta da janela aberta e dirige-se para o banheiro, onde puxa o torçal de uma caixa dágua que existe no teto, enchendo rapidamente a banheira com uma água que parece estar bem fria. Em seguida ele retira a calça e a ceroula e as joga na cama, daí pousa vagarosamente o seu corpo forte e cansado na refrescante água da banheira. Naquele momento, era tudo de que João precisava. Já com o corpo submerso, ele escora-se na cabeceira da banheira, fecha os olhos e relaxa, talvez pensando no que viera fazer em Ibipiranga, e como fazer, sozinho e sem poder contar com ninguém, uma vez que todos que o veem na cidade, simplesmente o desprezam ou tem medo dele. Uma terra que apesar de ser onde ele nasceu, se revela extremamente hostil para com ele.

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⏰ Última atualização: Jun 21, 2015 ⏰

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"TERRA SEM LEI" - Romance sertanejoOnde histórias criam vida. Descubra agora