Aqui estou

75 3 0
                                    

Essa foi uma revelção desanimadora para o rei. Não que não estivesse disposto a sacrificar um súdito, mas porque não tinha esperança de encontrar um homem que se dispusesse voluntariamente a se sacrificar. Mas não havia tempo a perder, pois a princesa jazia imóvel em sua cama, sem ingerir nada além da água do lago, que àquela altura não era nem um pouco saudável. Assim sendo, o rei fez divulgar a mensagem da placa de ouro em todo o reino.

Mas ninguém se apresentou.

O príncipe, que viajara durante dias floresta adentro para consultar um eremita que ele conhecera em seu caminho para Lagobel, só soube do oráculo quando retornou.

E, quando se inteirou de todos os detalhes, sentou-se e refletiu:

"Ela morrerá se eu não o fizer, e sem ela minha vida nada significa. Sendo assim, não vou perder nada se me sacrificar. E para ela a vida continuará tão alegre como sempre foi, pois o logo me esquecerá. E com isso haverá muito mais beleza e felicidade no mundo! Claro que já não estarei aqui ver tudo isso." (Aqui o pobre príncipe soltou um suspiro.) "Quão encantador ficará o lago à luz da lua, com aquela maravilhosa criatura divertindo-se nele como uma deusa impetuosa! Embora seja bastante atroz afogar-se centímetro a centímetro... Vamos ver... Cento e oitenta centímetros do meu corpo se afogarão." (Nesse ponto ele tentou rir, mas não conseguiu.) "Mas quanto mais demorar, melhor", continuou ele. "Será que não posso pedir em troca que a princesa fique comigo durante todo esse tempo? Assim vou poder vê-la mais uma vez, beijá-la, talvez - quem sabe? -, e morrer olhando seus olhos. Nem seria uma morte. Afinal de contas, eu não a sentiria. E veria o lago enchendo-se e recobrando sua beleza! Muito bem! Estou pronto."

Ele beijou a bota da princesa, pousou-a no chão e correu para os aposentos do rei. A caminho , porém, achou que mostrar-se tão sentimental não seria tão adequado, e resolveu manter-se impassível até encerrar o assunto. E foi assim que bateu à sala do tesouro do rei, onde pertubá-lo era considerado quase crime.

Quando o rei ouviu as batidas à porta, abriu-a furioso. Ao ver que se tratava de um mero engraxate, sacou da espada. Isso, sinto informar, era sua maneira de afirmar sua realeza quando julgava sua dignidade ameaçada. Mas o príncipe não se mostrou nem um pouco intimidado.

- Por favor, Majestade sou seu mordomo - disse.

- Meu mordomo! Seu patife mentiroso! O que quer dizer com isso?

- Quero dizer que vou arrolhar sua grande garrafa.

- Será que esse sujeito está maluco? - vociferou o rei, erguendo a ponta da espada.

- Vou colocar um tampão, uma rolha ou seja lá como chamem isso, no rombo de lago, ó grande monarca - explicou o príncipe.

O rei estava tão furioso que, antes de continuar a falar, precisou de um tempo para se acalmar e refletir que seria um grande desperdício matar o único homem capaz de ser útil naquela situação de emergência, considerando que, no final das contas, o sujeito estaria tão morto como se tivesse morrido por suas régias mãos.

- Oh! - exclamou ele finalmente, recolocando a espada na bainha com dificuldade, pois ela era muito grande. - Pois lhe sou muito grato, ó jovem insensato! Aceita uma taça de vinho?

- Não, obrigado - respondeu o príncipe.

- Muito bem - disse o rei. - Você não gostaria de visitar seus pais antes de fazer a experiência?

- Não, obrigado - disse o príncipe.

- Então vamos procurar o buraco imediatamente - disse sua Majestade, preparando-se para chamar alguns criados.

- Ainda não, por favor, Majestade. Gostaria de apresentar uma condição - interveio o príncipe.

- O quê?! - exclamou o rei. - Apresentar uma condição a mim? Como se atreve?

- Como quiser - replicou o príncipe friamente. - Então desejo que Vossa Majestade tenha um bom dia.

- Seu desgraçado! Vou mandar colocá-lo num saco e enfiá-lo no buraco.

- Está bem, Majestade - respondeu o príncipe, agora num tom mais respeitoso, temendo que a raiva do do rei o privasse do prazer de morrer pela princesa. - Mas de que adiantaria fazer isso? Por favor, lembre-se de que o oráculo diz que a vítima de se apresentar voluntariamente.

- Bem, você se apresentou voluntariamente - retrucou o rei.

- Sim, mas com uma condição.

- Lá vem você falar em condição. Suma daqui. Alguma outra pessoa ficará muito feliz em ter essa honra em seu lugar.

- Vossa Majestade bem sabe que não vai ser fácil encontrar alguém queira me substituir.

- Bem, e qual é sua condição? - rugiu o rei, reconhecendo que o príncipe tinha razão.

- Apenas esta - respondeu o príncipe. - Como não vou morrer antes de me aforgar, e a espera vai ser muito enfadonha, a princesa, sua filha, deverá ficar comigo, alimentar-me com as próprias mãos e olhar para mim de vez em quando, para que eu tenha algum alívio. Porque Vossa Majestade a de convir que a coisa é dificílima. Assim que a água chegar a altura de meus olhos, ela poderá ir embora, ser feliz e esquecer seu pobre engraxate.

Naquela altura a voz do príncipe fraquejou, e por pouco ele não teve um ataque de sentimentalismo, apesar de sua resolução.

- Por que não me disse logo que a condição era essa? Toda essa confusão por causa de uma ninharia! - exclamou o rei.

- Vossa Majestade me concede esse desejo? - insistiu o príncipe.

- Claro que sim! - respondeu o rei.

- Muito bem. Então, estou pronto.

- Pois vá fazer uma refeição enquanto eu mando meus homens descobrirem o tal lugar.

O rei chamou seus guardas e lhes deu instruções para que descobrissem imediatamente onde ficava o buraco no lago. Eles então traçaram linhas cruzadas no lago, examinaram cada um dos quadriculados, e dessa forma o buraco foi descoberto. Ele ficava no meio de uma pedra, perto do centro do lago, na mesma poça em que se tinha encontrado a placa de ouro. Era um buraco não muito grande de forma triangular. Havia água em toda a volta da pedra, mas muito pouca escoava pelo buraco.

A Princesa FlutuanteOnde histórias criam vida. Descubra agora