Depois de evitarem por muito tempo o doloroso assunto, o rei e a rainha resolveram ter uma conversa com a princesa e mandaram chamá-la.
E lá veio ela, deslizando, revoluteando e flutuando de um móvel e para outro, terminado por se acomodar numa poltrona, como alguém que estivesse sentada. Eu não saberia dizer se aquilo poderia ser chamado de "estar sentada", pois ela não se apoiava de forma alguma no assento.
- Minha querida filha - disse o rei -, a esta altura acredito que você já deve ter notado que não é exatamente como as outras pessoas.
- Oh, meu querido e divertido papai! Eu tenho um nariz, dois olhos e tudo mais. Do mesmo jeito que você e minha mãe.
- Pelo menos desta vez vamos falar seriamente, minha princesa? - perguntou a rainha.
- Não, obrigada, mamãe; acho melhor não.
- Você não gostaria de andar como as outras pessoas? - quis saber o rei.
- Na verdade, não, acho que não. Vocês apenas se arrastam. São assim como carroças velhas!
- E como você se sente, minha filha? - continuou ele, depois de um minuto de perplexidade.
- Muito bem, obrigada.
- Quero dizer... O que é que você sente, querida?
- Não sinto nada, que eu saiba.
- Mas você precisa sentir alguma coisa.
- Eu me sinto uma princesa com um papai muito engraçado e uma mãezinha rainha que é uma graça!
- Ora, vamos! - principiou a rainha, mas a princesa a interrompeu.
- Ah, sim! - acrescentou ela. - Agora estou me lembrando. Às vezes sinto uma coisa engraçada, como se fosse a única pessoa que tivesse um pouco de juízo no mundo inteiro.
Até aquela altura ela estava tentando se manter séria, mas então deu uma gargalhada, jogou-se para trás por cima da poltrona e se pôs a rolar no chão num êxtase de euforia. O rei levantou-a do chão com a mesma facilidade com que se apega um edredom de plumas e recolocou-a na poltrona na posição anterior. Eu não saberia o termo exato para descrever aquela postura.
- Não existe nada que você deseje? - continuou o rei, que àquela altura já sabia muito bem que não adiantava nada se irritar com a filha.
-Oh, querido papai! Sim - respondeu ela.
- Então me diga o que é, minha querida!
- Faz tanto tempo que desejo isso! Oh, tanto tempo! Desde a noite passada.
- Diga-me o que é.
- Você promete que vai me dar, papai?
O rei estava prestes a dizer que sim, mas a rainha, mais sábia, o impediu com um simples movimento de cabeça.
- Primeiro diga o que é - disse ele.
- Não, não. Primeiro prometa.
- Não me arrisco a isso, minha filha. O que é ?
- Olhe, lembre-se de que me prometeu. Quero ser amarrada na ponta de uma corda, uma corda muito comprida, para subir no ar feito um pipa. Oh, como seria divertido! Eu faria chover água de rosas e bombons, faria nevar chantilly e... e... e...
Um acesso de riso a interrompeu, e se o pai não a tivesse agarrado a tempo ela teria rolado no chão de novo. Percebendo que nada conseguiria só com conversa, o rei tocou a sineta real e pediu para a filha se retirar, acompanhada de duas damas.
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A Princesa Flutuante
ContoA princesa flutuante é um conto de fadas para leitores de todas as idades, desde que gostem, é claro, de uma história que seja bem contada, que surpreenda e que instigue a inteligência. A princesa deste reino recebeu uma maldição que a tornou imune...