Capítulo 1

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Minha coisa favorita do mundo poderia ser intitulada com um substantivo e um adjetivo: bebês fofinhos.

Eu não sabia dizer ao certo em que momento tudo começou, mas minha mãe contava que, desde muito nova, quando eu via um bebê, tudo o que eu conseguia articular era um comprido "Awwwwwn... que fofinho!".

E eu não duvidava nada de que minha vida tenha sido sempre assim. Como eu era a mais nova dos cinco filhos de Benício e Luiza Rodrigues, estava mais que acostumada a ter sempre bebês chegando à família em forma de sobrinhos, os quais eu amava e sempre se aproveitavam da minha boa vontade. Talvez eu devesse sentir ciúmes ao deixar de ser a pessoa favorita em toda a família, no entanto não havia sentimento mesquinho que resistisse a bochechas rechonchudas, mãos gordinhas e sorriso sem dentes, então eu apenas aproveitava a sensação indescritível de ser tia, até que nasceu em mim o desejo de ser mãe.

Para a minha sorte, me apaixonei por um homem que tinha as mesmas necessidades que eu, o que facilitou o processo. Nós queríamos uma família e, mesmo tendo começado a namorar muito novos, nunca houve dúvidas quanto ao que nos esperava no futuro. Por tempo demais, devido à doença de Alberto, nós colocamos de lado os planos de um envolvimento mais sério. Contudo, após sua morte, anos atrás, Arthur decidiu que, uma vez que tudo o que ele amava se encontrava nos Estados Unidos, não havia motivos para adiarmos o inevitável. Talvez fôssemos muito jovens para isso, ao menos era o que todos nos diziam, ém, não fazia sentido, na minha cabeça, ter que adiar a minha felicidade só porque a maioria das pessoas me achava nova demais para me sentir completa e realizada.

Eu sabia que Arthur era meu destino, meu fim inevitável, ainda assim, a surpresa de ser pedida em casamento foi a melhor coisa que me aconteceu no meu aniversário de vinte e cinco anos.

— E então, você aceita passar o resto da sua vida comigo? — ele me perguntara naquela noite, e eu poderia jurar que meu queixo tinha ido ao chão. Nós já morávamos juntos e nos portávamos como marido e mulher desde que ingressamos na faculdade, entretanto nada substituía a sensação de saber que o pontapé inicial para que nossa vida a dois fosse de fato construída havia sido dado.

Sem saber muito bem como reagir, por mais que eu tivesse sonhado com aquilo diversas vezes, foi Arthur quem tomou a iniciativa de pegar minha mão, após meu leve movimento de cabeça afirmativo, ainda pousada sobre a mesa do restaurante ao qual ele me levou para comemorar o meu aniversário, e, por fim, deslizou por ela meu anel de noivado. Encarei o solitário como se ele fosse um elefante rosa pendurado em meu dedo.

Um sorriso incrédulo se apossou de meus lábios e não pude resistir ao ímpeto de beijá-lo ali mesmo, com plateia e tudo, inclinada sobre a mesa enquanto as pontas de meus cabelos resvalavam no meu pudim de chocolate, quase intocado, entre mim e Arthur.

— Sim, mil vezes sim, é o que eu mais quero — admiti com a boca grudada à dele, nossos dentes batendo no do outro enquanto ríamos.

Arthur selou meus lábios com os seus algumas vezes mais e, naquela noite, quando voltamos para casa, dormir era a última coisa em que pensávamos.

Havia tantos beijos para serem trocados, tantos planos sobre os quais precisávamos falar, a partir daquele instante. Ambos tínhamos terminado a faculdade e encontrado o emprego dos sonhos, sendo assim, não existia motivo para esperar mais: nós iríamos ter um filho, ainda que o mundo dissesse que a hora não era a mais propícia. Aparentemente, o universo ouviu as palavras de desincentivo, porque gerar se mostrou algo que meu corpo não era capaz de fazer com tanta facilidade assim. Levou um ano inteiro, desde o pedido de casamento, até que eu conseguisse engravidar, e toda a família entrou em alvoroço com a notícia, que foi seguida de um luto terrível quando perdi meu bebê antes de completar os três meses de gestação.

— Talvez só não seja o momento certo — Arthur sussurrou em meu ouvido, buscando me consolar quando ele mesmo estava tão destruído quanto eu.

— E como vamos saber o momento certo? — perguntei em um soluço, molhando a camisa verde-água que ele vestia enquanto Arthur afagava minhas costas e me mantinha dentro dos seus braços.

— A gente não tem como saber, mas continua tentando até conseguir, está bem? O mais importante nós já temos, Lorena. O resto conseguimos depois.

***

Após tentativas infrutíferas e alguns tratamentos que me ajudassem com a fertilização e tornassem meu útero um lugar não nocivo para um feto, a falta de resultados positivos e os gastos médicos nos levaram a considerar a adoção. Arthur foi reticente, a princípio, dizendo que queria filhos que fossem sangue do seu sangue, bem como acompanhar todo o processo de gestação, porém, acabou cedendo com o tempo, ao perceber que aquela seria nossa última alternativa.

Nós só não estávamos preparados para a longa espera.

— Tem certeza de que isso vai mesmo funcionar? — Arthur perguntara certa vez. — Já faz um ano e, até agora, nada.

Já estávamos prontos para dormir e, como de costume, eu me aninhei a ele, pousando minha cabeça em seu ombro, à procura do apoio e conforto que só ele era capaz de me fornecer. Um longo suspiro escapou de meus lábios e não tive coragem nem sequer de erguer minha cabeça, a fim de encarar seus olhos escuros.

— O processo de adoção é demorado, mas é claro que vai funcionar. Você vai ver só. Talvez o bebê destinado a ser nosso ainda não tenha sido gerado, por isso precisamos esperar um pouco mais.

— Ou talvez a nossa ficha só não seja atrativa o bastante para as dezenas de mães que olham para ela quase todos os dias...

Engoli em seco, sem saber muito bem como responder àquilo. Verdade fosse dita, aquele era o meu maior medo.

— Nós vamos ser pais, Arthur, e nossa felicidade vai ser completa. Eu juro. — Desta vez, ergui meu corpo minimamente, meu olhar buscando o seu.

Arthur me encarou de volta, porém não respondeu, ao menos não em palavras. Em vez disso, seus dedos traçaram a linha de minha coluna e ele depositou um beijo no topo de minha cabeça. Eu abri meu sorriso mais brilhante, assegurando-lhe de que falava sério e que minhas promessas nunca eram em vão. Ele deveria saber disso melhor do que ninguém, mas eu não o culpava por titubear vez ou outra em nossa convicção.

Pacientemente, esperei por uma resposta, a retribuição encorajadora do meu sorriso e um abraço mais apertado, já que ele não era o único a hesitar na crença de que nós teríamos uma família de verdade, com crianças correndo pela casa e ao menos um cachorro para completar o quadro perfeito. Todavia, seu silêncio foi a única coisa que recebi, uma vez que seu aceno de cabeça foi tão leve que quase nem existira.

Resignada, depositei um beijo em seu peito, acomodei-me e tentei, inutilmente, dormir.

Tudo de Mim - Livro únicoOnde histórias criam vida. Descubra agora