Capítulo 4

230 62 9
                                    

Assim que desembarquei em Nova Iorque, na volta de Indiana, não pude evitar a sensação de vazio que me assolou.

Diferentemente da última vez em que estive ali, meu coração estava pesado e repleto de desesperança. O que deveria ter sido a viagem que mudaria toda a minha vida para melhor acabou se transformando em uma das maiores tragédias que já tive o desprazer de experimentar, e era inevitável culpar Arthur e seu egoísmo por todas as coisas ruins que estavam me acontecendo.

No instante em que desliguei o modo avião do meu celular, recebi inúmeras notificações no aplicativo de mensagens, a maioria delas de Kim, perguntando a que horas eu pousaria e se oferecendo para me buscar no aeroporto. Era tarde demais para responder ao questionamento, visto que eu já estava ali, mas aquilo só poderia ser um sinal dos Céus para que eu colocasse em prática a cena que revivi desde o momento em que cheguei ao hotel, após a conversa com Michelle.

Com minha bagagem de mão, entrei num táxi na saída do aeroporto, porém, em vez de dar a ele o meu endereço, em TriBeCa, o que o motorista digitou em seu GPS foi o endereço para o qual Arthur me pediu que enviasse suas coisas, após ele ter me deixado.

***

Durante todo o tempo em que nos relacionamos, Arthur e eu comparecemos a inúmeros eventos sociais, assim sendo, eu conhecia cada um de seus amigos, dentro e fora do escritório de advocacia onde ele trabalhava como sócio júnior. Com seus clientes, por outro lado, eu não me familiarizava tanto, mas havia suas exceções.

E ali, naquele momento, eu me encontrava de frente a uma das tais exceções. Com 1.70 m de altura, esguia, lindos cabelos louros e olhos verdes penetrantes, Piper Richards me encarava boquiaberta, e sua expressão atordoada devia ser um mero reflexo da minha.

— Lorena... — ela deixou escapar junto a um ofego. Não era um cumprimento, eu sabia disso. Era surpresa nua e crua roubando-lhe o controle de suas palavras e ações.

Sendo bem sincera, eu estava com muita raiva. Há dias! A forma covarde como Arthur me deixou, minha inércia em lugar de gritos... tudo isso estava me consumindo de dentro para fora e eu precisava explodir em algum momento se quisesse manter minha sanidade. Porém, estar diante de Piper abria novas feridas para as quais eu não estava preparada. O que antes era apenas uma raiva sem fim transformou-se em ódio puro e visceral, correndo por cada pequeno recôndito do meu ser e fazendo-me apertar os punhos com força ao passo que eu trincava os dentes.

— Onde ele está? — questionei, mordaz, o corpo trêmulo tentando conter a gama de emoções que me assolou sem aviso prévio.

— Lorena... — Piper tornou a dizer, no entanto, suas palavras não passaram de um zumbido desconexo, porque tudo em que eu conseguia pensar, tudo de que conseguia me lembrar, eram as incontáveis vezes em que ela apareceu no apartamento que Arthur e eu costumávamos chamar de lar, desesperada, enfrentando um processo de divórcio que ameaçava levá-la à exaustão para se livrar de um relacionamento abusivo.

Eu ainda era capaz de puxar pela memória as vezes em que ela chorou com a cabeça apoiada em meu colo, com o corpo marcado pelas agressões do então marido, dizendo o quanto ela desejava colocar aqueles momentos dolorosos para trás e vivenciar um relacionamento saudável, embasado em amor, companheirismo e comprometimento... como o meu e de Arthur. Lembro-me de sentir a mulher mais sortuda do mundo por ter comigo um homem que me amava e valorizava acima de todas as outras coisas.

A questão era: há quanto tempo ele vinha fazendo com que Piper se sentisse da mesma forma? Há quanto tempo os beijos dele vinham fazendo com que o cérebro dela se desligasse de todas as coisas ruins, exatamente como faziam comigo? Há quanto tempo eu vinha sendo a idiota que não conseguia enxergava um único palmo à frente do próprio nariz?

Tudo de Mim - Livro únicoOnde histórias criam vida. Descubra agora