V
Enrico
Aquele bebê não saía da minha cabeça, era estranho, mas por minutos senti vontade de cuidar dela, dar carinho mesmo que hoje, talvez eu não saiba praticar a reciprocidade.
Sua mãe me parecia uma mulher sensata, de bem com a vida ao contrário de mim, parecia até mesmo ser muito trabalhadeira, enquanto eu, desde aquele maldito dia tornei-me um encostado, alguém que mesmo vivo por fora, não tem sede pela vida.
Por outros minutos pensei em como seria se eu as conhecesse de verdade, mas logo a minha realidade bate e eu atrevo-me a dar um soco na parede lembrando-me de que aquilo não seria e nunca será possível, pois sou um monstro, uma pessoa horrível tanto por dentro quanto por fora.
Estava em meu quarto com a mente à milhão, quando Catarina entrou.
- Podemos conversar um pouco? - ela pergunta calmamente.
- Depende, o que você quer falar?
- Sobre você.
- Não estou disponível. - falei virando-me de costas para ela.
Chego a ouvir sua respiração funda.
- Sabe meu irmão, dói-me muito vê-lo desta forma. - começou sem que eu autorizasse.
- Não veja então. Me deixe sozinho e será bom para todos. - respondi friamente.
- Você não era assim Enrico, você amava viver, o que aconteceu com você meu irmão?
Viro-me pra ela e a noto com os olhos manejados de lágrimas. Começo a tirar toda a minha roupa ficando apenas de cueca em sua frente, óbvio, ela não entendeu nada.
Apontei para as marcas do incêndio em meu corpo.
- Isso aconteceu. - apalpei levemente, pois mesmo depois de um ano, as marcas ainda eram frágeis.
- Eu odeio o meu corpo, odeio a minha vida. Eu preferia ter morrido com Fred ao invés de voltar e ficar com todas essas manchas.
- Meu irmão, isso tem reversão, você só precisa de um pouco de paciência.
Dei risada.
- Reversão Catarina? Lógico que tem, quando eu envelhecer, isso adianta? As pessoas têm medo de mim, outras têm nojo quando olham para o meu rosto e veem as manchas perto do queixo. Você acha que eu quero isso?
Ela coça a cabeça.
- Você precisa curar a alma antes de curar o físico Enrico, não adianta nada conseguirmos fazer com que suas manchas evaporem do teu corpo, sendo que, por dentro você está ''morto. '' - deu ênfase na palavra morto.
- Quero ficar sozinho.
- Amanhã você tem médico.
- O mande à merda.
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ENRICO
Non-FictionSinopse reescrita e atualizada em: 03/06/2022. Não podemos apagar o passado, mas se quisermos podemos mudar o futuro. Vítima de um incêndio que lhe deixou com quarenta por centro do corpo queimado, Enrico que antes era um homem de beleza exuberante...