Aline
Na padaria eu tentava em vão agir normalmente, procurava me entreter com as graças de Liz enquanto Enrico intercalava seu olhar para ela e pra mim.
Ela estava sorridente, graças a Deus ela não aparentava estar sentindo dor por conta da pequena cirurgia.
Descobrimos que ela havia adorado o suco de laranja, já que Enrico colocara um pouco do que estava em seu copo, dentro da mamadeira de água e ela tomou tudo, deliciando-se e ao acabar ainda mexeu os bracinhos como se quisesse mais.
— Você quer mais minha pequena?
Ela soltou um gritinho.
— Pelo visto sim. - sorrio.
Coloquei um pouco do líquido que estava em meu copo e ajudei minha mocinha independente a beber.
— Em relação a ontem... - Enrico começa a dizer.
— Esqueça o que aconteceu. - soei rude.
— Não tem como esquecer porque eu não paro de lembrar.
Uau.
— Eu já esqueci, sugiro que faça o mesmo ou ao menos tente. - minto descaradamente e olho para Liz para que ele não perceba em meus olhos o quanto estou mentindo.
— Olha pra mim, vamos conversar como dois adultos. - pediu.
— Não temos o que conversar Enrico. Nos beijamos, você me deu um fora e foi isso, acabou.
O vejo passar a mão no rosto como se estivesse prestes a perder a paciência.
— Você tem que entender que é novo pra mim.
— O que é novo pra você, um beijo? Poupe-me Enrico. - sou irônica.
— Acredite se quiser, mas é. Eu nunca beijei sentindo nada.
Coloco a mamadeira em cima da mesa, e Liz grita querendo por mais.
— E agora você sente? - pergunto.
— Não. - bufou. — Quer dizer, é difícil. Eu sinto algo, tenho certeza que sim, mas não quero nada sério agora, não quero ter que me entregar a nenhum sentimento porque todos são ruins e de ruim já basta a minha vida.
— Ok.
Voltei toda minha atenção a minha filha que nos olhava com um sorriso banguelo nos lábios, sorri de volta.
— Não precisa soar tão grossa.
— Eu não estou sendo. - digo dando de ombros.
— Eu gostei do teu beijo.
— Devo agradecer por isso? Se sim, obrigada.
Eu havia perdido a fome que mal existia em mim, tomei todo o meu suco comendo alguns pães de queijo em silêncio.
*
*
Após toda tensão no café, ele nos convidou para irmos até um playground que ficava ali por perto.
— Obrigada pelo convite, mas quero voltar para casa, Liz ainda é pequena e não irá entender nada dos brinquedos.
— Está fugindo de mim? - perguntou parando em minha frente, a única coisa que nos afastava em uma distância considerável era o bebê-conforto que Liz estava mexendo de um lado para o outro.
— Eu não tenho o porquê de fugir, quero apenas ir para minha casa.
— Então vamos, podemos assistir a um filme.
Respiro fundo.
— Olha Enrico eu não sei qual é a tua, mas seja qual for não vai rolar. Quando eu disse que quero ir para minha casa, é porque eu quero ir somente eu e a minha filha, obrigada.
Ando alguns passos com o bebê conforto e quando olho para trás, ele está vindo atrás de nós.
— Só quero ficar perto da Liz, ela é meu bem maior, você também pode acabar sendo, mas ela é muito importante pra mim. Por favor, Aline, não me negue isso.
Fico em silêncio.
O meu coração era um pobre idiota, pois ele pedindo daquela forma foi impossível dizer não.
Entrei em seu carro no banco de trás com Liz e fomos ao nosso costumeiro silêncio.
Durante o caminho a mesma foi dormindo, mas, assim que Enrico parou o carro em frente de casa seus olhinhos arregalaram-se em seguida, um sorriso.
— Espertinha, só dorme quando te movimentam. - digo fazendo carinho em sua bochecha.
Ele abriu a porta de casa pra mim e de longe, quem nos visse, era capaz de achar que éramos uma verdadeira família.
Ledo engano.
O dia estava nublado, meio frio para falar a verdade, com a ajuda de Enrico jogamos dois colchões no chão da sala, colocamos cobertas, alguns brinquedos que Liz gostava de ''morder'' e ligamos um filme de animação da Disney.
Era incrível a capacidade que Liz tinha, ainda tão pequena de prestar atenção na televisão, aparentava entender tudo e tentava em vão ficar sentada sozinha.
Independente desde sempre.
Eu estava quase pegando no sono quando senti a mão de Enrico fazer carinho em meu rosto, assustei e sentei-me em um pulo, bocejando em seguida.
— Desculpe, não queria despertá-la. - disse envergonhado, ele estava bem próximo de mim, até mais do que Liz que agora estava com a cabeça em minha barriga.
— Tá bom. - respondi meio grogue, porém sabendo do que estava prestes a acontecer.
Enrico tocou meu queixo fazendo com que eu olhasse dentro dos seus olhos.
— Meu coração está acelerado. - sussurrou.
Respirei fundo e fechei meus olhos.
E seus lábios não demoraram a encontrar-se com os meus.
VOCÊ ESTÁ LENDO
ENRICO
Non-FictionSinopse reescrita e atualizada em: 03/06/2022. Não podemos apagar o passado, mas se quisermos podemos mudar o futuro. Vítima de um incêndio que lhe deixou com quarenta por centro do corpo queimado, Enrico que antes era um homem de beleza exuberante...