Com os olhos vermelhos por conta do vento fustigante e de inúmeras lágrimas, Nissah tentava desesperadamente aliviar a dor em seus pulsos, esfolados após dias com os mesmos grilhões apertados.
O rosto que um dia contivera uma beleza incomparável, agora evidenciava os dias que passara se alimentando da ração dada aos escravos, em pequenas porções que apenas os mantinham vivos.
Os lindos penteados que um dia adornaram sua cabeça, agora estavam no passado, deixando seus cabelos castanho-acobreados apenas com os nós e a sujeira.
Durante a noite, as lembranças que ela passava o dia concentrada em evitar, dominavam seus sonhos sem piedade, tão vívidos que ela conseguia sentir o cheiro das cinzas que as chamas deixavam para trás e o som ensurdecedor da batalha que lhe tirara tudo. A pior parte dos sonhos, arrastava-se sorrateiramente para dentro sem que ela permitisse e a fazia reviver aquele maldito momento, andando descalça pelos escombros, deparando-se com sua irmã, deitada na cama, com os olhos vítreos e a expressão aterrorizada ainda no rosto, enquanto o sangue escorria de sua garganta cortada. Acordava apavorada, suando frio, mas já não lhe vinham as lágrimas, a desidratação a estava matando.
Em sua cabeça já haviam passado todos os planos possíveis para uma fuga, mas atravessando aquela planície infindável com punhados de guardas ao redor seria impossível. A grande fila de escravos percorria o caminho até Griseo, esta fora a única informação que conseguira arrancar dos malditos guardas em roupas douradas e azul-turquesa.
Griseo a muito desconhecia a paz, viajantes que pernoitavam na taverna de sua família contavam histórias de antes da ascensão de Doerlin, a rainha que deixou o poder consumir todo o seu ser, contavam que o reino era o mais belo pelo qual haviam passado e que atraía pessoas de todos os cantos, fosse pela hospitalidade, boa comida ou os grandes mercados a céu aberto, onde se encontravam os mais inusitados utensílios dos mercadores nômades. Nissah sonhava em conhecer este outro Griseo, pois assim que Doerlin assumiu o trono, após a inexplicável morte de seu pai, o caos se instaurou e o reino nunca mais fora o mesmo. Ela se apossou primeiro de pequenos vilarejos ao redor, ao mesmo tempo em que aterrorizava seu povo com vigílias violentas após as dez da noite e punindo com a morte pequenas infrações, partindo então, com seu crescente exército para outros reinos, consumindo a sí mesma em seus delírios.
Com o rosto corado depois de horas no sol quente, Nissah caminhava a passos lentos, assim como os outros prisioneiros, todos doloridos e sem energia, ainda usava a camisola fina da noite em que foram levados, o que aliviava um pouco o calor. Logo atrás dela estava Elian, o único a quem ela poderia recorrer, o único a quem chamar de amigo, ele puxava a corrente que ligava os grilhões para lhe chamar a atenção, a garota virou levemente a cabeça por cima do ombro, para que os guardas a cavalo a alguns metros de distância não os notassem.
"Dê uma olhada, lá na frente começa um pequeno vale. Com árvores, pode ser nossa chance" Sussurrou ele, inclinando-se para mais perto dela.
"Cale a boca" ela disse com o cenho franzido "Falamos disso apenas a noite, esqueceu?"
"Desculpe, não me contive, pareceu uma ótima oportunidade."
Nissah e Elian sempre estiveram um atrás do outro na fila, por isso, logo começaram conversar, pareciam também os únicos dispostos a isso naquele amontoado de quase sessenta pessoas, todas tristes e cansadas. Logo na primeira noite após a captura, Elian consolara a menina enquanto as lágrimas e a incredulidade tomavam conta dela, ele fora mais forte emocionalmente em todos os momentos, pois ela nunca o havia visto chorar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
As cinzas de Aestas
FantasiNissah tem seu mundo virado de cabeça para baixo quando um ataque ocorre no reino onde morava. Casas foram saqueadas, pessoas escravizadas (assim como ela) ou mortas. As chamas se alastraram... Tudo virou pó. Seus dias estão sendo difíceis enquanto...