Prometéa

8 0 2
                                    

As noites de sangue homologavam o tormento eterno de contemplação e oração de Prometéa. Em seu funesto quarto cinzento, nas costas de uma casa de classe média, Prometéa ouvia uma batucada monótona e repetitiva, mais ou menos como um relógio, só que sem a utilidade inerente. A cabeça dela só fazia ir e voltar, lembrando outros movimentos para qualquer um que tivesse a mente suja. Prometéa estava pouco se fodendo para o que pensavam dela mas, de forma geral, ele estava muito se fodendo, principalmente com outras pessoas. A questão é que ela gostaria de estar se fodendo mais ainda, não fossem duas circunstâncias atenuantes de toda essa foda.

A primeira era que Prometéa tinha um namorado, e apesar de ser uma criatura das trevas e sem alma e todo o escambau funesto que vem junto com a condição de Vampiro, Prometéa não queria machucar os sentimentos do seu par, e ela sabia que isto significava monogamia. Isto havia diminuído toda a foda da qual Prometéa poderia potencialmente fazer parte. A segunda circunstância atenuante da foda toda era que Prometéa havia sido abraçada virgem, o que queria dizer que todas as vezes que ela perdia o hímen, o desgraçado se regenerava. Mais ou menos como o mito de Prometeu, só que na versão pornô. Aliás, seu nome, Prometéa, era na verdade um apelido que ela mesma havia escolhido para si mesma, o nome verdadeiro dela era Maria de Lourdes.

A primeira vez que Prometéa perdeu seu hímen foi com seu senhor. A experiência foi, como seria de se esperar, nada impressionante. Entretanto, segundo as leis naturais da curiosidade adolescente (ou nesse caso jovem adulta, já que Prometéa transou pela primeira vez depois de morta, aos 21), ela não quis mais parar por aí.

Ela passou um tempo no vibrador até encontrar alguém com disposição e um foda-se ligado com intensidade suficiente para se relacionar com uma vampira perpetuamente virgem. A mera tentativa de explicar a situação para pretendentes anteriores havia levado um deles ao celibato clerical e o outro às raias da loucura (até hoje ele surta quando vê meia arrastão).

Prometéa olhou pela janela, enquanto ouvia sua música monótona com pessoas que gritavam ou sussurravam palavras difíceis em idiomas estrangeiros e viu seu funesto namorado chegando. A chuva escorria do céu como o catarro celestial e nublava a visão além da janela, que rapidamente encharcava-se com as gotas grossas que se atiravam, como camicazes, contra as vidraças rijas do quarto da vampira.

Josias tocou a campainha e Prometéa ouviu a bagunça lá na sala. Depois de toda aquela babação por parte de sua mãe, Josias entrou no quarto de Prometéa e lá transaram até a hora de ir para a casa de Almir. Durante o tempo que passaram lá, podia-se ouvir, se se prestasse atenção, frases comprometedores do tipo "aaaaai!" ou então "que delícia"" ou ainda "Falar é fácil, não é o seu cabaço!". Afora isso, as coisas foram bem tenebrosas e funestas (e picantes) e coisa e tal. Quando acabou a pegação, Josias e Maria... Quer dizer, Prometéa, ficaram agarrados na cama.

-- Mesmo sem vida, mesmo sem alma, sem coração... Meu corpo te deseja como que para suprir o potencial perdido do meu coração... Oh meu amor, tu irás definhar, e eu permanecerei eternamente linda e gostosa e... -- Começou o raciocínio, mas antes que ela pudesse continuar, Josias catou o relógio e disse:

-- Tá na hora de a gente ir -- Ao que Prometéa simplesmente olhou o relógio e piscou.

-- Eita, é mesmo.

O casal vestiu as roupas, enquanto contemplavam o erotismo de um corpo cobrindo-se do olhar alheio, presos à cumplicidade de terem visto um ao outro despidos. Saíram do quarto e entraram no corredor que unia os quartos à sala. O assoalho de madeira rangeu levemente. O casal andava, como se estivessem em uma marcha fúnebre, em direção á reunião com a irmandade de sangue. Era, então, um símbolo da longa caminhada até a luz. Será que havia uma luz? Será que...

-- Onde você vai, mocinha? -- A mãe de Prometéa estava na cozinha, com seu característico avental florido. Um pesado contraste com o corselete, saia de couro, meia-arrastão, salto plataforma e maquiagem forte, sem falar na ausência de movimentos faciais expressivos, da filha.

-- Vamos nos reunir com aqueles que habitam nas sombras e esperam, contemplando friamente a dicotomia humana que se traveste de grandiosa nos produtos mortos de sua arte brutal. -- Disse Prometéa.

-- Heim? Vão fazer o quê? -- Perguntou a mãe, já vindo em direção à filha.

-- Vamos discutir os aspectos intrínsecos da alma, arte, cultura e intelecto humano, que se faz duplo para o bem e para o mal, mesmo na concepção de que estes são conceitos forjados e não necessariamente constantes universais da... -- Prometéa parou quando sua mãe a beijou em sua testa fria.

-- Tudo bem, Mariazinha, mas não volte muito tarde, viu? E se ficar muito tarde, me ligue para eu saber se vamos pedir um Uber para você ou se você vai dormir na casa do seu amiguinho para voltar amanhã -- Disse a mãe. Prometéa piscou os olhos, com expressão aloprada. Josias vestiu sua cara de nada.

-- T-Tudo bem, mãe -- Disse a menina, em um tom uma oitava abaixo do que ela esperava, e depois o casal saiu. Saíram para negra noite obscura, para o véu de mistérios e segredos, onde a barreira entre o visível e o invisível apenas se estreita. Saíram para pegar o funesto ônibus.

Uma História GóticaWhere stories live. Discover now