Jurandir

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As coisas... são efêmeras... Elas são um grande vagão de trem. Quanto mais rapidamente o mundo gira, mais tem cheiro de merda e quando você menos espera, a pipoca com antenas já roubou sua bicicleta azul e saiu pela janela da casa na árvore.

Abriram a porta do quarto e a fumaça pesada e cinza se difundiu rapidamente pelo corredor. Henrique, um dos caras que rachavam o dinheiro da república com Jurandir, tossiu e consumiu cada grama de seu autocontrole para não fechar a porta instintivamente. Jurandir deu mais uma tragada no baseado e soprou mais uma vez, lentamente, como se ele fosse um narguilé em forma de vampiro.

-- Meu irmão... -- disse Henrique com uma suave nota de reprovação na voz -- tu tem que parar de furmar, doido! Isso ainda vai te matar -- profetizou Henrique, cobrinbo o nariz com o antebraço enquanto a cortina de fumaça jorrava do quarto parecendo efeito especial de gelo seco.

-- Não duas vezes -- Sussurrou Jurandir, enquanto abria um sorriso besta com a agilidade de um bicho preguiça, de modo que Henrique levou um tempo para entender que ele não estava passando mal. Depois começou a balançar a cabeça, olhando para o mundo e ouvindo uma música que tinha notas de violino tão graves que se fossem transcritas para partituras ficariam em algum lugar entre o assoalho e a terra embaixo da casa.

-- Ligaram pra tu aí, dizendo que vai ter reunião de alguma coisa essa noite -- disse Henrique, cerrando os olhos e virando a cara para o corredor, em busca de ar fresco.

-- Valeu, valeu... Fica com o grande monstro -- Disse Jurandir, enquanto Henrique deixava o cômodo apresentando sinais visíveis de alívio.

Jurandir sempre fora um grande entusiasta do consumo recreativo de canabinóides... Um maconheiro, para simplificar. Começou com pirulitos, provando que é tudo uma questão de tendência mesmo. Antes era só curtição, mas Jurandir tem passado muito mais tempo alto que lúcido, e ultimamente tem usado umas ervas batizadas com todo tipo de coisa só para conseguir um barato bom o suficiente. Na verdade, toda a vida dele é uma mentira. O céu é lilás com cinza-avermelhado, existem dois sóis, ele vive escondido dos velociraptors ultra-tecnológicos e a linha divisora entre passado, presente, futuro, viagem, real, fantasia e o resto já caiu faz tempo. É tudo uma coisa só, agora, e se ele suspender as drogas, jamais saberá lidar com o problema.

Antes isto era um problem, mas depois que conheceu Edita, no Gotik Treffen, sua vida mudou. Foi uma grande noite, mas Edita sumiu sem deixar vestígios e ele teve que se virar sozinho para descobrir os seus poderes e achar outros de sua nova raça. Um dos poderes dos vampiros, convenientemente, é a virtual imunidade dos vampiros a tudo que aflige o ser humano. Agora sim ele poderia simplesmente continuar consumindo quantidades industriais de drogas para sempre, sem jamais poder morrer de overdose. Ele certa vez tinha impressionado uma audiência ao fumar, em menos de quarenta minutos, um baseado que mais parecia uma vela.

Jurandir batucou alguma coisa no teclado do computador e puxou uma guitarra que estava plugada em um computador por uma complexa teia de fiação e aparelhos eletrônicos que emitiam luzes. Ele continuou trabalhando em sua obra-prima da música gótica, uma verdadeira pérola negra, que tomaria conta de tudo quando finalmente viesse a público. Ele fez soar alguns acordes tristonhos de sua guitarra e cantou sua balada perfeita: A Noite Úmida e Preta (nome provisório).


Lacrimejando...De Noite...

Lacrimejando...De Noite...

Lacrimejando...De Noite...

Lacrimejando...De Noite...


LAAAAAACRIMEJAAAAAANDO!!

De noite...


Lacrimejando...De Noite...

Uma História GóticaWhere stories live. Discover now