O preço do resgate e seu valor simbólico

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O fim do seqüestro do corpo está sempre ligado ao pagamento, ou
não, do valor do resgate. O valor estabelecido pelos seqüestradores é comunicado aos que se interessam pela vida seqüestrada. As negociações têm como único objetivo a tentativa de trazer de volta o que fora levado, preservando-lhe a vida e a integridade.
A pessoa seqüestrada, que até então foi vítima dos seqüestradores, agora também está entregue nas mãos daqueles que compõem o seu horizonte de sentido, Diferente, mas continua vitima. Eles decidirão o que fazer; decidirão como pagar, como negociar. É o momento em que a pessoa é exposta ao peso e à medida do seu valor.
Não são raros os casos em que a vitima experimenta nesta: hora uma grande insegurança. A fragilidade do cativeiro lhe faz duvidar até mesmo da predileção de quem está lá fora negociando sua vida. O cativeiro minou seu amor próprio, prejudicou sua auto-estima. “É aí que lhe ocorre uma dúvida cruel: será que existe alguém interessado em me retirar daqui” Será que valho o valor que está
sendo pedido?
Essas perguntas estão intimamente ligadas à condição de vitima.
Antes, vitima de quem nem sequer sabia o nome, agora, vítima daqueles que a viram nascer e crescer. Condições distintas, mas costuradas pelo mesmo fio da insegurança.
O cativeiro minou suas convicções, deixou o registro do esquecimento do ser. Quem está esquecido de "quem é" geralmente cai no equivoco de colocar familiares e criminosos no mesmo patamar. É o medo ditando suas ordens. Medo absoluto, indistinto, tomando todos os espaços da existência. É o medo assumindo sua dolorosa face do desespero. Medo que cega; que faz
esquecer o que temos de mais sagrado. Medo que nos acorrenta aos pés dos nossos seqüestradores, e que nos encoraja a pedir que eles tenham piedade de nós, como se fossem deuses, com o poder de nos livrar de nossa fragilidade. Medo que nos faz esquecer o que amávamos; que dilui nossa
identificação e que não nos permite mais a diferenciação do mundo.
Olhamos a tudo e a todos do mesmo modo. Olhos com lentes do medo; são os olhos pessimistas, e muito pouco podem na vida.
O medo tem o poder de nos fazer pedir o que não queremos. No caso do seqüestro do corpo, o seqüestrado, por causa do medo que sente torna-se
capaz de pedir, mesmo sem uma formulação expressa nas palavras, que o seqüestrador, o proteja com seu domínio. A condição de vítima lhe faz viver o absurdo de uma dependência cega. O intruso, o recém - chegado, assume a centralidade de seus afetos. A relação, fortemente marcada pela dependência, fortalece ainda mais a entrega e a rendição. O dominador reconhece nos olhos do dominado o pedido.
É a postura da vítima que fortalece a figura do seqüestrador. Ela lhe
autoriza aos poucos a negociar a sua vida, a ser dela um proprietário. E neste
momento que se confundem ainda mais os papéis e se acentua a condição total de vítima. Estranhos negociando com familiares e amigos, mas todos dentro da mesma moldura da insegurança. O mais próximo é o seqüestrador. Ele passou a representar uma espécie de "segurança", e por isso a vitima a ele se apega.
Este é o quadro. O seqüestro do corpo é uma violência terrível, porque, ao retirar a pessoa do seu horizonte de sentido, expõe-lhe ao absurdo do
esquecimento de suas potencialidades. O seqüestrado perde a coragem de lutar por ele mesmo, mas aliena nas mãos de estranhos o poda de decidir o desfecho de sua existência. O corpo é levado de uma vez. O cativeiro cerceia o corpo; priva-o de tudo o que o faz feliz, de todas as sensações que lhe são agradáveis. O corpo é o primeiro a ser acorrentado e rendido, para que depois, aos poucos, bem aos poucos, seja também medida e acorrentada a sua alma.
Resgatar o corpo dessa condição de aprisionamento consiste em
devolver-lhe a si mesmo. O corpo, antes acorrentado e negado, volta a se
pertencer. Volta para o seu quarto, para seus familiares, para sua casa. Retorna ao seu mundo.
O pagamento do resgate é concreto, mas resguarda também um precioso valor simbólico. Ele concretiza a certeza do amor. Ao ser resgatada, a
vitima se reconhece querida, desejada. Cessa a insegurança que antes vivera no cativeiro. Distante do seqüestrador ela reassume a condição de identificar a fragilidade que a tez colocar bandido e familiares no mesmo patamar de
importância.
O retorno ao horizonte de sentido lhe devolve a capacidade de reassumir a identidade perdida. É a hora de organizar O medo, os traumas e as
recordações que certamente por muito tempo a atormentarão.

Quem Me Roubou de MimOnde histórias criam vida. Descubra agora