2 Calunias

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Acordei sentindo um vento frio nas minhas costas, eu estava na cama, sem camisa. Me sentei assustado, tinha certeza de ter dormido no sofá.

Olhei ao redor, mas não havia ninguém no quarto. Estralei as costas e fiquei em pé. Fui ao banheiro e me deparei com um post it colado no espelho.

"Espero que um dia você me perdoe Edu"

Lívia

Mas que droga é essa? Não sabia se era o sono, ou se estava realmente atordoado. O que ela queria dizer com aquilo?

Ouvi meu celular tocando e corri para ele. Tentei modular minha voz para um tom mais feliz, como eu sempre fazia. — Oi amor...

— Você não me ligou depois do show ontem. — ela me acusou.

Mordi o lábio. Merda, por causa daquela garota, esqueci.

— Me desculpe, acabei apagando de canseira. Você está bem, amor?

— Aham, eu vi seu show na internet. Pena que quase não mostram você.

Eu ri — Por isso é melhor saber cantar, não é?

Ouvi seu riso gostoso do outro lado da linha. — Quando você volta Edu? Tô com saudade.

— Eu sei amor. Tenho mais um show, e depois tiro uma semana inteira para ficar com você.

— Tá. Mas não esquece de me ligar tá?

Eu ri — Tá bom amor, pode deixar, te ligo á noite.

— Te amo.

— Também te amo, amor.

Desliguei o celular. Eu só conseguia pensar em quando aquilo iria acabar. Nada em mim funcionava direito daquele jeito. Minha vida estava um caos, e eu precisava colocar as coisas nos eixos. Mesmo sem saber por onde começar.

Olhei mais uma vez para o bilhete sem entender nada. Dei de ombros e me joguei na cama outra vez.

— Edu, cinco minutos no café! — Karen bateu na minha porta, assim como fazia todas as manhãs.

E como em todas as manhãs, ignorei o chamado porque eu sabia que os putos só iam descer daqui uma hora, ou mais.

Me virei na cama e dei de cara com uma calçinha fio dental vermelha. Ah Caralho! O que foi que eu fiz? Peguei, assustado.

Não era possível, eu não podia ter feito nada, eu me deitei no sofá e acordei na cama, mas como? Que merda!

Troquei de roupa e desci correndo. Karen já estava sentada tomando seu café da manhã e abriu um enorme sorriso para mim.

— Aleluia! Um de vocês me escutou! É hoje que essa São Paulo enche d'água, senhor! – ela riu erguendo os braços.

— Karen, acho que fiz uma merda... Mas não lembro de porra nenhuma, e... – lembrei do bilhete e gelei — Caralho! Eu tô muito fodido!

Ela riu — Calma Edu! O que foi que aconteceu?

— Aquela porra de garota... Deixei ela ficar no meu quarto, mas ela sumiu, dormi no sofá e acordei na cama... Tinha... tinha uma porra de um fio dental na cama... E uma porra de bilhete... — falei desesperado e gesticulando feito doido.

Ela quase gargalhou do meu desespero. — Querido, você é bem grandinho, e já passou por isso, né? Vamos parar de alarde. O que é que tem, que você comeu uma garota? Todos os outros também fazem isso.

Bufei de ódio — Karen, você sabe da minha situação, eu não faria uma porra dessas! E não sei o que aquela garota vai fazer, nem porque me pediu perdão.

Ela se levantou e segurou meu rosto. — Edu. Para de se preocupar, não é sua primeira fã maluca. Relaxa, ninguém vai saber se não ficar gritando que nem um doido que você comeu a garota.

— Opa! O mundo vai acabar e ninguém me contou? Edu transou? Achei que nem tivesse mais pinto! — Maycon colocou o braço sobre meus ombros, jogando uma uva na boca.

Olhei feio para Karen — Valeu por anunciar isso.

Maycon gargalhou do meu lado. — Foi a louca que se jogou na van né? – ele me encarou — Era gostosa pra caralho, se já não tivesse a minha, tinha pegado.

Revirei os olhos. — Ela ia adorar.

Ele riu — Não, não era minha cara que estava estampada naqueles peitos – ele fez um gesto com as mãos imitando segurar peitos avantajados.

— Cala a boca, velho!

Saí andando com as mãos na cabeça. Essa dúvida ia me acompanhar até quando? Se eu comi mesmo aquela garota, nós dois estávamos fodidos.

Logo depois que todos se levantaram, tomamos nosso café da manhã e partimos. Teríamos mais um show á noite e o Bê gostava de passar o som logo de manhã. Ele era a estrela da banda, e todo mundo fazia o que ele queria. Que se foda se você tá um lixo...

Logo depois do almoço, voltamos para o hotel, e uma multidão de repórteres nos recebeu.

— Karen o que está acontecendo? — Gui falou sério. — Que porra é essa aqui?

Ela olhou atônita sem entender nada, estava tudo tranquilo, ninguém sabia que estávamos naquele hotel.

— Guto, dá a volta, vamos entrar pelos fundos, mas dá umas voltinhas para despistar os repórteres. — Ela falou calmamente. — Não sei que porra aconteceu enquanto estávamos passando o som, mas conheço alguém que deve saber...

— Quem? — Maycon a olhou curioso.

— Google. — ela riu, e ele bufou.

Dois segundos depois, ela colocava a mão na boca lendo algo no celular. — Ca.ra.lho!

Senti o couro da minha cabeça queimar. Peguei meu celular e digitei o nome da banda no Google.

Era a Lívia, toda rasgada nas fotos, com a boca sangrando, e marcas roxas nos braços.

A manchete dizia "Garota espancada e estuprada por baterista da Bezdomnyy presta queixa na delegacia. A banda ainda tem um show agendado na capital hoje à noite. Será que o tão quietinho Edu se revelou?".

Fiquei mudo, pálido. Mas que merda era aquela? Eu nunca faria aquilo! Nunca!

— Meu Deus! A Virgínia! — Sussurrei para mim mesmo, quase rosnando.

Tentei parar de tremer e discar o numero de casa.

— Mãe! — falei desesperado. — Não deixe que a Vi se aproxime da internet, por favor. — implorei — Deu uma merda muito grande aqui, ela não pode saber...

— Edu, o que aconteceu? Você se machucou, está no hospital de novo, é isso? Me explica menino.

Fiquei ofegante — Eu estou bem, só faz o que eu te falei. Eu te dou notícias depois.

Desliguei na cara dela e olhei para Karen. — Era disso que eu estava falando, Karen!

Ela me olhou quase bufando de ódio. — Seu imbecil! O que fez com a garota!?

Balancei a cabeça negativamente — Eu não fiz nada, porra! Ela armou para mim, será que não vê? Foi tudo armado... Aquela...

— O que quer dizer? — Ela respirou fundo, e todos os caras me olharam também.

Baixei a cabeça para não responder.

Karen bateu palmas para dissipar o silêncio — Tudo bem, voltem para o hotel. Vou tentar localizá-la, e vamos bater um papinho Edu. Pode ficar tranquilo.

Tranquilo era a última coisa que eu poderia estar. 

Discordantes (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora