CAPÍTULO 04

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Eu rodava, em silêncio, sentada na cadeira do meu quarto, com Haunani estendida por meu colo sujando com pelos minha calça de pijama. Cadeiras de rodinhas foram feitas para contemplar pensamentos, percebi, enquanto estendia minha mão até a caneca de chá de hortelã. A fumaça já quase desaparecera, e eu sabia que finalmente ele estava em uma temperatura que eu conseguiria tomar. Respirando o fraco vapor cheiroso que exalava, tentei organizar meus pensamentos, enquanto meus dedos inocupados pela caneca afundavam no pelo denso da gata, de onde um ronronar tranquilo saía.

Eu trabalharia com Vincent.

Depois de todos esses anos, eu estaria ao lado dele. Estaria realizando meu sonho.

E isso parecia dar um nó intenso no meu estômago, parecia me deixar mais nervosa a cada segundo que passava. Eu já nem sabia se estava preocupada pela minha sanidade ou por saber que cedo ou tarde eu iria arruinar tudo. Eu estava preparada pra arruinar tudo. Porque eu me conhecia o suficiente pra saber que era só ele vir com aquela autoridade babaca, aquele tom abusivo e superior que me enojava, que eu rebateria a bomba e ela explodiria em mim.

Compreendi, naquela noite, depois de sair da festa em um táxi assim que os anúncios acabaram, que eu estava completamente iludida em relação a Vincent. Não que eu já não imaginasse isso; eu projetara meus sentimentos numa figura que eu criara dele, e o Vincent Woodham que eu conhecera era o Vincent Woodham que ele me permitira ver. Era o lado dele que ele mostrava para todos e eu nunca, nunca o conheceria por completo. E essa ilusão que eu criara dele, que eu fantasiara e que me impulsionara ao lugar onde eu estava agora – ela era nada mais que isso, uma ilusão. Era uma fumaça, como a fumaça do chá que se tornava mais fraca, a ponto de eu não poder mais enxerga-la. O Vincent real que agora fazia parte da minha vida destruiria aquela silhueta imaginária que eu construíra, e isso me fazia repensar tudo o que eu faria daqui para frente.

Na tela do meu computador, uma notificação apareceu, fazendo-me ler aquelas palavras em letras pequenas. Amanhã, 8h, na editora. Provavelmente uma reunião com Vincent e os outros editores. Suspirei, sentindo-me cansada. Eu mal havia conseguido aquele emprego e já estava sentindo dores mentais ao pensar sobre ele.

— Isso está errado, não está Hau? — a gata mexeu uma das orelhas, como se estivesse me ouvindo, ou simplesmente me mandando lidar com meus próprios problemas sozinha. Soltei outro suspiro, encolhendo-me em meu próprio corpo e aproximando meu rosto dos pelos compridos e cinzentos da minha gata, que me acariciaram.

Não era assim que era para ser.

Ele está atrasado.

Eu queria gritar aquilo, porque fazia 40 minutos que eu estava naquela sala, meus pés batendo nervosamente no chão. Depois da festa arranjada de última hora e todo o nervoso que passei na noite anterior, eu acordara como se tivesse sido atropelada por um caminhão, e a força de vontade de chegar pontualmente foi tirada de lugares que eu nem sabia que existiam dentro do meu ser. E aí o senhor donzelo Woodham demora mais de meia hora para dar as caras.

Quando eu lançava o meu décimo quarto olhar feio para a porta, tentando ser discreta, mas sabendo que a essa altura eu já havia falhado, o famoso príncipe da empresa empurrou-a, adentrando o recinto com um calmo bom dia e uma caneca de café, como se não tivesse arruinado a manhã de todos nós com seu atraso.

— Sr. Woodham, seja bem vindo — Ez disse, depois de se levantar e cumprimenta-lo com um aperto de mão. Eu fiz o mesmo, mantendo o olhar na gravata borboleta ridiculamente bonita que ele usava, porque se olhasse para os olhos dele a próxima coisa que eu estaria assinando ao invés de anotações seria uma carta de rescisão de contrato. Voltei para o meu lugar e para as anotações que teria que fazer, enquanto Vincent terminava de cumprimentar as outras pessoas da sala.

I - Quem Eu Quero EncontrarOnde histórias criam vida. Descubra agora