Eu encarava Vincent, estupefata. De tudo que me passou na cabeça desde que ele dissera "Escute o que eu tenho a dizer" (e foram muitas coisas, já que minha imaginação corre solta e selvagem), em nenhum momento eu esperava a bomba que ele jogou.
Boa parte de Kairosclerosis não estava escrita.
Esse era o motivo pelo qual os capítulos para revisão estavam atrasados. Simplesmente porque eles não existiam. E, mesmo assim, a capa e a diagramação já estavam começando a ser elaboradas, e o prazo para a entrega do original já estava se aproximando. Na verdade, esperava-se que o livro fosse publicado dali a uns três meses, no máximo, pois já estava tendo divulgação em cima dele.
E ele nem ao menos tinha terminado o livro.
— Eu sei. É ruim — Vincent disse, não parecendo tão preocupado quanto deveria, enquanto eu o encarava ainda sem reação nenhuma. Pisquei algumas vezes e finalmente recobrei minha voz.
— É ruim? É só isso que você tem a dizer? Como é que eu entro numa empresa, recebo um projeto pela metade e que ainda por cima está horrivelmente atrasado?! — estou abismada. O que a outra estagiária fazia que não cobrava esse homem apropriadamente?
— Não use "horrivelmente".
— Eu vou usar o inferno que eu quiser usar. Como a editora nunca falou nada sobre isso? Eles não te cobravam? Você não tinha que enviar capítulos regularmente para a estagiária passada para ela revisar e ir te dando feedback?
Soltei tudo isso e Vincent manteve-se em silêncio, distraidamente mexendo na colherzinha de café. Percebi que, de certa forma, ele sabia o tamanho da enrascada que estava compartilhando comigo. E tinha mais algo ali, que em apenas alguns segundos ele confessou para mim.
— Eu a subornei pra falar que estava tudo certo e que estava recebendo os arquivos. Eu enviava arquivos falsos pra ela e ela fingia revisar.
— Você o quê? — dessa vez eu gritei, e algumas poucas cabeças se viraram para nós. Eu nem liguei. Eu observava aquele homem irritantemente bonito enquanto ele parecia a personificação da tranquilidade ao confessar que subornava uma antiga funcionária.
— Escute, eu tive meus motivos — ele tentou me acalmar, falando suavemente e se inclinando um pouco na mesa, para que pudesse falar um pouco mais baixo. Instintivamente, me aproximei também para escutar e antes que percebesse, estava perigosamente perto de seu rosto. Tentei manter o foco na situação alarmante, mas seus lábios eram bastante distrativos. — Como eu sou o autor mais popular e vendido da editora, eles fecham o contrato para eu entregar o livro antes deste estar escrito. Basicamente, é um seguro para eles que eu fique com eles e garantem meu próximo lançamento, com alguns confortos e benefícios para a minha parte, claro. No entanto, dessa vez eles fizeram uma exigência; só uma. Pediram, comercialmente, para que eu fizesse um livro de romance, apesar de eu ter escrito metade de um outro no meu período de "férias". Mas é claro que ele não tinha nada de romance, porque minhas histórias não fluem assim — ele falou em um tom acusativo.
— Por que eles não podiam simplesmente aceitar o que você já tinha escrito?
— Parece que muitos leitores insistiram nisso e eles decidiram apostar em algo assim.
— Mas seus livros nunca são assim! — exclamei, um pouco horrorizada. — Por que você aceitou?
— Eles me deram o prazo de um ano para fazer isso — ele encolheu os ombros. — Achei que ia dar conta. Mas nunca escrevi sobre isso e acabou se tornando mais difícil do que eu imaginara. Eu travei em uns capítulos, e mesmo fazendo muita pesquisa, fiquei muito inseguro sobre tudo que eu escrevia. Como achei que ninguém ia gostar daquilo, fiquei procurando novas formas de escrever e abordar o tópico, mas de repente o prazo se aproximou e eu percebi que estava em apuros.
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I - Quem Eu Quero Encontrar
RomanceLora Preston tem 26 anos e chegou onde ela queria chegar. Trabalhou duro, se esforçou e superou as dificuldades para que pudesse encontrar com quem ela sempre quis. Contratada pela editora de seu autor favorito, aquela era a chance única de realizar...