Assim que estacionamos, minha curiosidade venceu minha raiva e irritação por um breve momento, suficiente para que eu virasse meu rosto para Vincent com uma expressão de questionamento em meu rosto. Ele, que tinha se virado para trás pegar algo no banco, retornou ao lugar com um casaco mais grosso – para mim, percebi – e me olhou de volta. Pode ter sido impressão graças às luzes amareladas do estacionamento do parque, mas ele parecia ter corado.
— Eu vou mudar toda a história. Começar do zero. Mas para isso, eu preciso desse momento aqui — apontou com a cabeça para o parque. Aquilo não fazia o menor sentido para mim, mas eu não tinha muita escolha agora que já estávamos ali. Suspirei, pegando o casaco sem agradecê-lo e saindo do carro. Ele fez o mesmo, mas ao invés de seguir para o parque, apontou para um pequeno centro comercial que tinha atrás de nós. — Nenhum de nós comeu muito bem hoje, então vamos jantar no restaurante primeiro. É por minha conta.
Aquilo parecia razoável e eu percebi que realmente não havia comido nada além do pacote de bolachas o dia inteiro. Talvez essa fosse a causa de eu reagir exageradamente ao lengalenga dele. Fui atrás dele em direção às vitrines que se iluminavam mais e mais conforme a noite se aproximava. Parecia que era um dia de festa, pois lanternas coloridas estavam penduradas em fios que cruzavam as ruas e, mesmo escurecendo e estando frio, as pessoas pareciam bastante animadas.
O restaurante que Vincent sugerira era uma casa branca com janelas pintadas de azuis, e um cheiro delicioso de peixe e frutos do mar saía de lá. Meu estômago roncou desesperadamente e pude ver o escritor erguer o canto de sua boca em um leve sorriso. Constrangida, apenas continuei ignorando-o até sentarmos em uma mesa. Uma garçonete rechonchuda e adorável nos atendeu, trazendo água e o cardápio. Pedi um risoto de camarão e Vincent uma acqua pazza, que eu não tinha ideia do que era. Assim que a garçonete se afastou, ele olhou para mim.
— Lora, me desculpe pelo meu comportamento e o que falei mais cedo. Você tem me ajudado muito recentemente e mesmo assim eu acabo sendo grosso com você. Não é intencional, muito menos pessoal, é um péssimo traço da minha personalidade que estou tentando melhorar — ele entrelaçou os dedos em cima da mesa, apoiando os cotovelos, e não desviou o olhar de meu rosto, ao passo que continuava apenas a encará-lo, quieta. — Foi muito babaca da minha parte ter falado aquilo sobre você trabalhar para mim depois de saber da sua história, e eu sei que você está sensível com isso nos últimos dias. Enfim, eu realmente sinto muito por estar sendo esse homem ridículo — dessa vez, ele parecia sincero, e não uma criança manhosa que aprendera que "desculpe" resolvia problemas sérios assim que se cuspisse a palavra.
Eu tomei um gole d'água, pensando naquilo. É verdade que agora que sentamos e eu pensara no parque de diversões e na comida, eu me distraíra e conseguira observar melhor minhas atitudes. E talvez, sim, eu tenha agido um pouco exageradamente. Não que eu não estivesse certa em rebater sua atitude; só talvez ter usado um pouco mais da gentileza que eu tanto prezava. De qualquer forma, fora bom ouvir as desculpas – sinceras – de Vincent, assim como ele apontar várias das coisas que haviam me irritado em seu comportamento.
— Desculpe por ter estourado também — decidi dizer. Suspirei. — Eu não dormi bem por conta do pesadelo, e não comi o dia todo. Além do mais, quando você me falou para fazer meu trabalho de sempre hoje cedo, abri meu e-mail e tinha vinte e três e-mails de Ez me cobrando coisas e perguntando como estava aqui. Vinte e três em um dia — desabafei. Vincent arregalou os olhos. — De repente me senti muito sobrecarregada e comecei a pensar em tudo que está acontecendo e fugindo do meu controle... Não foi assim que planejei as coisas, não é assim que eu queria que elas acontecessem. E eu não tenho poder nenhum pra impedir isso, meu número de escolhas sobre o que fazer não é alto... Eu... — batuquei os dedos na mesa, desviando o olhar para fora da janela ao lado da qual nos sentamos, e as palavras seguintes escaparam de minha boca sem que eu sequer pensasse muito sobre elas. — Eu vou sair da editora.
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I - Quem Eu Quero Encontrar
RomanceLora Preston tem 26 anos e chegou onde ela queria chegar. Trabalhou duro, se esforçou e superou as dificuldades para que pudesse encontrar com quem ela sempre quis. Contratada pela editora de seu autor favorito, aquela era a chance única de realizar...