six

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- Me desculpe pela aparição incoveniente- Gilbert me guiou até a sala, onde existia uma grande mesa no centro do cômodo. Escolhi uma cadeira e me sentei- miss Stacy está muito preocupada, ela praticamente implorou para que eu viesse.

- Sem problemas, quer algo para beber?

Pensei um pouco antes de responder, a caminhada dali até a escola e a casa de Diana tinha sido grande e eu estava bem cansada.

- Aceito um copo de água, por favor- respondi começando a organizar as várias páginas das lições em cima do móvel.

Ele seguiu por um dos diversos corredores da casa. Olhei ao meu redor, existiam muitos quadros e retratos de família por ali. Crianças, idosos e várias gerações diferentes reunidas nas fotos.

Por mais incrível que possa parecer Gilbert não estava em nenhuma delas.

{...}

Já havia se passado bastante tempo tempo após minha chegada. Gilbert parecia estar prestando atenção, ele aprendia rápido. Algo o impedia de olhar em meus olhos. Ninguém tinha citado as cartas, não literalmente. É claro que já tinha soltado umas indiretas, tipo "que bom que manteu o costume de ler" Mas nada direto.

- Aqui é tão quieto e solitário, é um pouco triste.

Gilbert sorriu levemente, ele parecia estar tentando esconder algo por trás de sua expressão.

- Meu pai passou mal, ele teve que ir até Charlottetown, para ver seu médico.

- Ele foi sozinho? - perguntei, e só depois de falar notei o quão intrometida tinha soado.

- Não, ele foi com um amigo- ele disse e depois fez uma pausa- podemos nos concentrar apenas na aula?

Concordei, era compreensível não querer falar sobre isso.

De alguma forma eu passei a enxergar Gilbert de uma outra maneira naquele momento. Ele já não era mais só o menino mais gentil da classe, percebi que era muito mais, com tanta pouca idade, já tinha superado tantas coisas. A doença, a perca, a solidão. E ainda conseguia sorrir e tentar fazer o dia valer a pena. De certo modo ele era uma inspiração.

O tempo passou de uma maneira bem mais rápida e já estava na porta me despedindo do garoto, ainda tinha que inventar uma desculpa a Jerry por ter furado nosso compromisso com as letras.

- Bom, acho já que acabamos. Agora você vai conseguir acompanhar os outros na aula- falei indo para fora da casa- se tiver alguma dúvida, pergunte agora ou cale-se para sempre.

Ele continuou olhando para mim como se eu ainda estivesse falando e como se estivesse prestando atenção em cada palavra não dita que não saia de minha boca.

- Por que escreveu aquela carta?

Isso foi como um estouro, inesperado. Não tinha como responder. Meu rosto começou a queimar, e eu tentei esconder minha cara com minha franja.

- Você quer mesmo falar sobre isso? - perguntei nervosa.

- Acha que Ruby pode ouvir daqui também?- rebateu.

- Gilbert, eu...

- Você não respondeu minha pergunta, Anne- ele me interrompeu, sua habilidade em insistir era admirável.

- Não sei, eu só queria achar uma forma de chegar em você, não aparecia na escola, não dava notícias. Eu pensei que poderia ter acontecido algo, pensei que me odiava agora...

Encarei o chão.

- Eu jamais poderia te odiar, Anne- Estava sério, assim como eu.

- Não sabia disso, achei que nunca mais você ia olhar pra mim!

- E dês de quando você gosta que eu olhe pra você, Anne? - fiquei sem reação, essa sim era uma boa pergunta.

- Não sei disso, sei que me deixa inexplicavelmente nervosa quando está perto, meus olhos não piscam e eu mal posso me concentrar no que está acontecendo ao meu redor- podia jurar que havia sido possuída por alguma entidade ou algo do tipo- não sei, Gilbert. Mas sei oque sinto...

- Você disse que nós não fomos feitos pra ficarmos juntos- lembrou - mas suas palavras não parecem corresponderem com oque você sente, Anne Shirley...

Não respondi. Apenas voltei a olhar para baixo, mapeando os flocos de neve, sentia como se fosse perder o controle sobre mim mesma se olhasse para ele novamente.

- Acho que você já sabe que podemos ser oque quisermos- o garoto começou a se aproximar.

Os sintomas de Ataque Cardíaco começaram outra vez, esse garoto conseguia mexer assim comigo? Por quê? Ele vai me beijar ou?

- Até mais Anne, preciso ir ver como meu pai está... Foi bom voltar a entender sobre oque estamos aprendendo.

Ele se despediu e fechou a porta, me deixando para trás com o coração na garganta e as bochechas mais vermelhas que nunca. Suspirei fundo, e fiz o meu melhor para tentar recuperar o fôlego. Parou de nevar, mas o caminho até Green Gables nunca pareceu ser tão longo, e frio.

Letters for YouOnde histórias criam vida. Descubra agora