eight

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— Gilbert... — olhei para o menino tão encharcado quanto eu.

Ele me puxou pelo braço e me colocou de pé, nós estávamos em frente a fazenda dos Blythe. Tinha corrido tão rápido que sequer tive tempo de notar.

— Anne, está fazendo o que aqui? Aconteceu algo em Green Gables? — ele perguntou preocupado, sorri e passei as mãos em minha saia, em uma tentativa falha de limpar a lama nela.

— Está tudo bem em Green Gables, eu estava indo para lá, mas ai começou a chover e eu corri e acabei tropeçando aqui... —tentei explicar, ele me olhou confuso.

— Olha, é melhor entrar, acho que essa tempestade não vai ir embora tão cedo.

Concordei e deixei Gilbert Blythe rodear minha cintura com seu braço, a essa altura estava fácil demais para eu tropeçar de novo, então qualquer ajuda era bem vinda. Ao entrar na casa pude notar a diferença na temperatura, a lareira estava acessa e meu corpo esquentou assim que pisei no piso de madeira.

— Espere aqui, vou pegar roupas secas pra você— ele disse e se retirou da sala, voltando logo em seguida, segurando uma trouxa de roupas— toma, elas podem ficar largas, são minhas.

— Tudo bem, eu fiquei muito mais alta que você durante nesses três meses— riu e me entregou as peças— onde eu me troco? 

— Ali é o banheiro— ele apontou para uma porta— não enrole muito, gigante...

As roupas tinham ficado enormes, a camisa parecia um vestido e as calças estava cumpridas demais, mesmo assim gostei de me ver no espelho daquele jeito. Livre do espartilho e das meias apertadas.

Quando sai de lá dei de cara com o pai do Gilbert, ele arregalou os olhos e seu queixo caiu ao me ver. Minha voz sumiu e senti que estava sumindo.

— Oh meu deus, Anne, o que faz aqui? — ele perguntou parecendo horrorizado— e vestida desse jeito?

Sorri amarelo.

— Longa história, tem tempo para ouvir?

{...}

Já era a hora da janta, e o silêncio tinha tomado conta da casa, mal conseguia tocar na comida. O pai de Gilbert tinha entendido a história, mas ainda sim parecia desconfiado. Estava decidido que eu passaria a noite lá e retornaria para casa no primeiro raiar do sol. Meu vestido seria lavado e entregue em alguns dias. Estávamos sentados em uma mesa gigante, com pelo menos umas 11 cadeiras vazias.

— Então Anne, a Marilla está bem?

O senhor Blythe perguntou, terminei de mastigar um pedaço da comida e respondi:

— Ela está ótima, e vai ficar muito feliz que o senhor parece bem também— ele sorriu.

— Marilla e eu eramos muito próximos no passado, mas o destino nos separou— reconheci um carinho muito grande em sua voz, como se estivesse falando de alguém realmente especial— duas pessoas que se amam nem sempre podem ficar juntas, isso é uma verdade da vida.

Sorri sem mostrar os dentes, estava explodindo de curiosidade, mas sabia que não podia o entupir de perguntas. Isso acabaria com a imagem formal que estava tentando passar.

 — Vocês são bons amigos, certo? — "não sei, só quebrei minha lousa na cabeça dele em um dia e no outro escrevi uma carta de amor".

— Somos sim, pai— Gilbert respondeu por mim.

— É filho essa deve ser mesmo a sina dos Blythe...

Gilbert parecia surpreso.

— Bom, já está tarde, vou deixar a louça para os mais jovens.

O o mais velho se retirou com um sorriso no rosto.

— Desculpe por isso— gil disse e coçou a nuca.

— Não se desculpe Gilbert, eu adorei oque ele disse sobre a Marilla.

Ele me observou com os olhos em formato de coração, como se estivesse lendo algo em mim.

— Você já descobriu o que somos? — disse se aproximando.

— Por que devemos decidir isso assim tão cedo? — perguntei, ele chegou mais perto e pude sentir sua respiração.

— Já esperamos por cinco anos, Anne, e eu não quero esperar nem mais um segundo.

Ele segurou minhas bochechas com as duas mãos e começou a aproximar seu rosto do meu, nós nos beijamos.

As meninas e eu sempre conversávamos sobre como um beijo devia ser. Já que nenhuma de nós tinha experimentado, aquilo era como um mito. Mesmo assim, mesmo sem nunca ter tido nada para comparar, tinha certeza que aquele seria o melhor beijo que daria. O primeiro. Com Gilbert, o garoto que sempre soube que gostava, apesar de nunca admitir.

Quando acabou eu sorri, estava genuinamente feliz.

— Uau... — exclamei vendo um sorriso se formar no rosto dele— aposto que esse não foi o seu primeiro.

— Acaba de perder uma aposta Anne Shirley— Gilbert disse rindo.

— Está tarde, Gil— falei olhando para o relógio em seu pulso— boa noite.

Beijei sua bochecha e saí em direção ao quarto dos hóspedes o mais rápido que pude, estando muito mais nervosa do que parecia. Não via a hora de contar tudo aquilo para Cole, ou para meu diário.


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