Capítulo 5 - Encontros

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-...e o encarregado de repor a dispensa será...Pricelli. – disse o major, finalizando a lista de tarefas dos soldados.

-Certo, Senhor Major. – respondeu Luccino, fazendo a posição de sentido, com um sorriso no rosto.

O que parecia impossível aconteceu: Luccino começou a obedecer as ordens de Major Otávio, sem reclamar. A maneira que ele tratara seu amigo Randolfo fez com que ele revisse seus pensamentos sobre seu superior. Era como se ele tivesse achado uma luz no fim do túnel, uma fagulha de calor em meio ao frio que Otávio demonstrava exalar. Todos os soldados acharam um belo gesto do major cuidar do soldado ferido, mas para o italiano teve um sabor a mais, afinal Randolfo é um dos seus amigos mais íntimos.

Otávio conseguiu encontrar os agressores de Randolfo em tempo recorde e há quem diga que o major tenha dado um soco em um dos rapazes, que disse que não se arrependia nem um pouco de bater no rapaz. Mas eram apenas rumores.

-Muito obrigada, Major Otávio! – Lídia exclamou, segundos antes de puxar Otávio para um abraço. Otávio foi pego de surpresa, e devia estar fazendo uma cara estranha, pois Randolfo riu. – Não se constranja, major, nós da família Benedito somos pessoas que abraçam. E Randolfo falando que você era um chat...

-Lídia! – agora foi a vez de Otávio rir, pois Randolfo ficou vermelho como um tomate diante da indiscrição da noiva.

-Não se preocupe, soldado. – Otávio levantou a mão, para acalma-lo. – Eu sei o que meu batalhão pensa de mim.

-Mas agora estamos mudando nossos conceitos. – Randolfo, Lídia e Otávio se viraram e viram Luccino na porta do dormitório.

-Isso não muda nada, Pricelli. – disse Otávio, com um sorriso convencido. – Continuarei sendo exigente com vocês. Com você.

Lídia olhava do sorriso convencido de Otávio para o rosto tímido de Luccino. Ela achou estar vendo demais.

-Senhor Major, queria lhe agradecer pelo que fez por Randolfo. Ele é um ótimo rapaz e um excelente amigo. – disse Luccino, se aproximando dos outros e se sentando ao lado da cama de Randolfo.

-Não há necessidade, Luccino. – Otávio balançava a cabeça, como se recusasse qualquer agradecimento. – Fiz por ele o que eu teria feito por qualquer um de voc...

-Um jantar hoje na casa de chá. Não aceito negativas. – Luccino cruzara os braços e tinha um enorme sorriso no rosto. Eles acreditava que ganhava as pessoas pelo seu sorriso.

-Eu lhe aconselho a aceitar, major. – disse Randolfo, que recebia um cafuné de sua amada. – Luccino é irritante e persistente quando quer.

Otávio olhou para Luccino e pôs-se a pensar. Não seria muito suspeito? Ele tinha acabado de chegar a aquela vila e ser visto com um homem antes de sair com qualquer moça...Não seria visto com bons olhos. Mas aí olhou para outros olhos, aqueles olhos que ainda lhe azucrinava o juízo por não conseguir le-los. Normalmente pessoas eram fáceis de manipular para Otávio.

Mas aí estava: ele queria manipular seu soldado?

-Tudo bem, então. – disse finalmente Otávio. – Mas irei com minha farda.

-Não seja tão quadrado, major. – interferiu-se Lídia. – É um encont...

-Lídia! – repreendeu-a Randolfo, e ele deu um sorriso à guisa de desculpas para seu superior.

A noite chegou rápido demais, e Luccino colocou seu paletó e uma calça de linho, penteou seus cabelos e colocou perfume. Mais do que o necessário para um jantar com seu major.

-Porque raios estou me perfurmando? – perguntou-se Luccino, fazendo uma careta e colocando seu perfume em suas coisas.

-Pessoas perfumadas são companhias mais agradáveis. – respondeu Otávio, assustando Luccino, que soltou um forte palavrão. – Soldado, é com essa boca que você beija?

-Desculpa, major, o senhor me assustou. – Luccino ainda massageava o peito, sentindo seu corpo tremer.

-Não foi minha intenção. E já que estamos indo para longe do quartel, não me importo de você me chamar de Otávio, – o major viu um sorriso aparecer nos lábios de Luccino, então prosseguiu: - mas apenas essa vez. – e Luccino riu.

A viagem até a casa de chá foi silenciosa. Luccino não conseguia imaginar o que falar para Otávio, do que ele gostaria de conversar, e assuntos do quartel estavam fora de cogitação, pois era um momento além-muro, talvez a chance única que Luccino teria de perguntar coisas que nunca teria coragem dentro do batalhão.

Ao chegar a casa de chá, eles foram recebidos com alegria por Dona Agatha, proprietária do local e uma mulher alegre além da medida. Ela gostava de agradar todos os homens bonitos que entravam lá, e o italiano viu a maneira nada discreta que ela tratava o major, dando risadinhas altas quando Otávio lhe contou uma piada, e tocava o tempo todo no braço do militar, numa tentativa ridícula de demonstrar intimidade. Foi o que passou na cabeça de Luccino.

-Sintam-se à vontade. – Dona Agatha sorria o tempo todo, e tentava andar com graça ao redor na mesa dos rapazes. – Major Otávio, aqueles biscoitinhos de canela que você adora sairam a pouco do forno. Quer que eu traga para sua mesa?

-Seria uma gentileza sem precedentes, querida Agatha. – Luccino abriu a boca, ao ver seu major tomar a mão da mulher e beija-la. Otávio chamando Dona Agatha apenas por Agatha era demais para o sistema nervoso de Luccino.

A mulher saiu de perto da mesa dando risadinhas afetadas, indo buscar o pedido. Otávio simplesmente pegou o menu e começou a folhea-lo, vendo o que mais poderia agradar naquela amena noite. E então notou que Luccino ainda lhe olhava, com a boca igualmente aberta.

-Diga. – falou o major.

-Você e "Agatha". – Sim, Luccino fez as aspas no ar. - Sabia que andava aqui com frequência, mas não sabia que seu afeto por Dona Agatha era o real motivo.

Otávio riu sozinho e fechou o menu, colocando-o na mesa.

-Ela gosta que eu faça gracejos com ela, eu gosto de fazer gracejos a mulheres bonitas. – disse Otávio, olhando seu soldado nos olhos. – Apenas um flerte despretensioso. Nada demais.

-"Nada demais"? – foi a vez de Luccino rir. – Dona Agatha adora um militar. Ela quase ficou enferma quando Brandão se casou com Mariana. Espero que saiba onde está se metendo.

Otávio viu a mulher voltar para sua mesa, trazendo uma bandeja com um prato cheio de cheirosos e quentinhos biscoitos junto com duas xícaras de chá, e engoliu o seco.

-Aqui está, major. – anunciou Dona Agatha, colocando os biscoito e o chá na mesa, com um sorriso para Otávio.

-Obrigado. Quando quisermos algo eu aviso. – disse secamente Otávio, folheando novamente o menu.

-Tudo bem, major. – e ela saiu dando tchauzinho com a mão.

-É como se eu fosse invisível. – disse Luccino, chocado com a atenção da proprietária da casa de chá.

-Não é sua culpa, Pricelli. – Otávio falou, dando uma mordida no biscoito de canela. – Meu charme eclipsa qualquer outra pessoa.

-Quem se casar com você tem que ser igual a você.

-E quem disse que pretendo contrair matrimônio?

Luccino se engasgou com chá. Otávio queria ficar sozinho para sempre?

-Porque não? – perguntou Luccino.

-Não acredito que eu encontre alguém...igual a mim, como você disse. – Otávio respondeu, tomando um gole de chá. – É muito curioso, Luccino. Um dia descobrirá mais do que irá querer. 

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