Capítulo 3

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Gostaria de poder dizer que eu me recuperei logo, que voltei a gravar meus vídeos e ia lidando com a saudade como dava. Mas não foi isso o que aconteceu. Eu caí em uma desolação profunda, mas me recusava a ser medicada, e ao menos admitir que eu tinha algum distúrbio afetivo e precisava de ajuda. Não dormia e não comia bem. Perdi quilos demais, minhas curvas, antes tão elogiadas, foram embora.

No primeiro mês, cheguei a ir à terapia, a pedido dos meus pais, mas me fechava. Dizia que eu estava bem, mas na verdade não queria falar com ninguém. Depois, simplesmente mentia, dizia que estava indo nas sessões, mas não aparecia.

Entenda, cada um age de uma maneira diante dos percalços da vida. Meu melhor amigo tinha ido embora e meu rosto estava desfigurado, não me admirava de nenhum representante da Menvis não ter me procurado novamente. Quem escolheria uma moça que outrora foi bonita para estrelar uma campanha de cosméticos? Foi muito duro quando vi o comercial ser protagonizado pela youtuber que tinha menos seguidores do que eu e vivia apelando em suas postagens pra chamar atenção.

Vê-la no meu lugar não foi fácil, mas me bastou para perceber que eu não teria coragem de fazer nenhum vídeo mais na minha vida, principalmente, quando eu não teria mais meu amado cameraman e minha beleza de volta.

Apenas fiz uma gravação de áudio para meus seguidores, dizendo que, devido ao falecimento do meu irmão e problemas de saúde, iria deixar o canal sem atualização por um tempo. Primeiro foram semanas, depois meses. Meus seguidores fiéis me perguntavam como eu estava, mas eu não respondia. Então, quando completou um ano da morte de Enzo, eu percebi que não teria mais condição alguma de ser youtuber, que apenas estava brincando de evitar o inevitável. Ocultei meu canal do YouTube e deletei meus perfis em outras redes sociais. Eu apenas desisti de tudo.

Como estava bem mais magra e tinha a cicatriz no rosto, basicamente ninguém me reconhecia como a youtuber que um dia eu havia sido. Para não dizer que nada me movia, que eu não tinha nenhum interesse na vida, digo que eu tinha um sentimento que me impulsionava. Destrutivo, mas eu não conseguia ver isso na época. Era a vingança.

O rapaz que havia nos atropelado ainda não tinha sido julgado. Dante era o nome dele. Ele tentou prestar socorro, também foi à delegacia se apresentar à polícia. Tinha tirado habilitação há apenas dois meses e nunca havia se envolvido antes em acidentes automobilísticos ou de nenhuma outra natureza. Para completar, havia se mostrado disposto a me indenizar.

Ele foi indiciado por homicídio culposo, no caso do meu irmão, — quando não há intenção de matar — e lesão corporal culposa, no meu caso. Depois de uma perícia no carro, foi constatado que não houve falha mecânica no automóvel e sim humana. O estudante de administração, que tinha a minha idade, havia pisado no pedal errado. Atualmente, o processo corria e ele estava em liberdade provisória, depois de ter pagado a fiança por ocasião da prisão em flagrante.

Mas apesar de todo mundo me dizer que eu devia perdoá-lo, de que ele não tivera a intenção de atropelar ninguém, uma imagem não saía da minha cabeça. Eu estava lá, no chão, sangrando, antes de perder os sentidos, e o vi saindo do carro capengando. Ele se aproximou de mim e mal ficava em pé. Na hora pensei que ele estava embriagado. Depois apaguei. O advogado dele alega que ele estava sobre forte impacto emocional e teve dificuldades de andar. Mas, para mim, ele estava alcoolizado. O fato era que eu o queria atrás das grades e não solto por aí.

Semanas depois do acidente, descobri que um parente dele era policial. E passei a acreditar fortemente que haviam alterado o resultado do teste de embriaguez. Eu sentia que ele era culpado, e não me conformava com o fato de ele estar em liberdade. Simplesmente não conseguia aceitar aquilo.

Degustação - A youtuberOnde histórias criam vida. Descubra agora