Capítulo 4

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Depois de me despedir de Lídia, resolvi entrar em um café requintado no centro da capital. Era um espaço aberto 24 horas e servia tudo de bom e mais um pouco. Adorava as iguarias do lugar. Não me passou despercebido que um casal que estava de mãos dadas sobre a mesa olhou para o meu rosto surpreso. Eu ainda não tinha me acostumado com isso.

Antes os pescoços se viravam para me ver em minhas roupas de grife, que caíam perfeitas em meu corpo. Ao sentirem meus perfumes importados, ao verem minha pele bem cuidada, meus cabelos bem tratados. Agora a primeira coisa que chamava a atenção em mim, era a tal da minha cicatriz.

Sentei-me em uma mesa no fundo do café, sempre escolhia lugares mais discretos onde talvez chocasse o menor número possível de pessoas. Coloquei o cardápio na frente da cara e fiquei por um bom tempo lendo sem prestar atenção. No final, sempre pedia a mesma coisa: um milkshake de caramelo com chantilly. Tinha ido duas ou três vezes com o Enzo nesse café. Ele sempre pedia um misto-quente e suco de laranja.

Na verdade, Enzo tinha um gosto culinário bem restrito. Ele sempre pedia a mesma coisa em qualquer lugar que fosse. Teve um dia que ele me acompanhou em um jantar de inauguração de uma loja que patrocinava meu canal e teve a ousadia de pedir pro garçom trazer pra ele um misto-quente, mesmo diante de diversas opções tentadoras de pratos. Assim era meu irmão, amante de pão com presunto e queijo na chapa.

Aguardava meu pedido, quando vi um rapaz se apoiar no balcão para pedir algo. Era raro algo ou alguém me chamar a atenção. Na verdade eu passava distraída pelas pessoas, esbarrando nelas sem perceber ou sem realmente me importar. Mas algo naquele rapaz me inquietou. Talvez o rosto bonito, que aparentava preocupação. Os olhos franzidos, como que pensando intensamente sobre algo. Me identifiquei imediatamente com ele.

Reconheci em seu olhar como que um relance da minha dor. Ele não parecia confortável, assim como eu não me sentia há tempos. Ele fez um pedido rápido para uma garçonete e voltou para sua mesa, ao lado da minha.

Ele tinha uma beleza camuflada, os óculos de aros de metal deixavam seu semblante sério. O terno bem alinhado e bem passado contribuíam pra dar essa impressão também. Sua pele era morena, parecia que ele pegava bastante sol. Seus cabelos eram negros e lisos, com um corte certinho demais para o meu gosto. Era alto e tinha os quadris estreitos e os ombros largos, como de quem pratica esportes.

Finalmente me notou e pareceu surpreso com o que viu. Fitou meu rosto e arregalou um poucos os olhos. Tentou disfarçar, desviou o olhar encabulado para sua xícara de café ainda cheia. Voltei a atenção para a minha taça pela metade, um pouco magoada.

Quando eu estava quase no final da minha bebida, notei que ele analisava alguns papéis e fazia algumas anotações à caneta. Um casal se aproximou de sua mesa. Eles se cumprimentaram e fizeram pedidos de mais cafés. Fiquei pensando que graça as pessoas viam em café e o porquê de uma taça de milkshake não combinar com uma informal reunião de negócios, como parecia acontecer na mesa ao lado.

Apurei meus ouvidos e consegui ouvir parte da conversa.

— Um antigo cliente seu nos indicou. Falou que seu trabalho foi muito bem feito e que ter contratado sua consultoria para sua empresa o livrou de problemas futuros.

— É sempre bom ouvir que fomos indicados por um cliente satisfeito.

— Desde já agradecemos por ter aceitado nos encontrar, mesmo que rapidamente em um café, sabemos de sua agenda lotada.

— Como minha secretária comentou com vocês, terei uma reunião em alguns minutos e realmente temos pouco tempo, mas como um amigo meu me pediu o favor de conversar com vocês, peço que digam em que posso ser útil.

Degustação - A youtuberOnde histórias criam vida. Descubra agora