MUDANÇA
Cidade de Saint'Raffan. Verão de 1910.
Era comum todos os anos, uma fina chuva cair sobre a cidade de Saint'Raffan antes do início do verão, e uma garota ruiva, de sorriso fácil e com uma curiosidade quase explícita, sair pelas ruas, sentindo a brisa em seu rosto e alimentando a idéia de que um dia, se apaixonaria por alguém, como nos livros de romance que ela costumava ler. Essa garota se chama: Lindsay Lüscher, e indiferente do que tenha acontecido com a garotinha de coração puro e doce, ela tinha maturidade suficiente para saber quem realmente era, agora. A vida simples era definida pelo que se sabia até certo ponto, sobre si mesma, para ser exato. Dizem que a consciência de sua história, determina intimamente quem somos de verdade. Esta, nos ajuda de alguma forma, consciente ou não, a fazermos as escolhas que definirão o próximo grande acontecimento em nossa existência.
Mas, ainda que a alma de Lindsay gritasse por liberdade, ela vivia boa parte do tempo dentro de sua modesta casa, pela precaução exagerada de sua mãe adotiva, Victoria. Esta, que tinha medo que sua filha pudesse conhecer o lado horrível e repugnante das pessoas, como acontecera com ela há alguns anos. Victoria vivia uma vida tranquila ao lado do generoso marido, até ser levada por um grupo de guerrilheiros piratas de terra e ser usada como escrava, por um bom tempo, até conseguir escapar e se juntar a um grupo de artesãs e agricultoras, numa grande comunidade chamada de Westt de Baixo.
A vida em Saint'Raffan era tranquila. Para Lindsay, não havia universo melhor. Frutas frescas, montanhas, colinas verdes e de vegetação macia, e flores das mais variadas cores e aromas. Porém, sem qualquer anúncio prévio, Victoria Kalicies, decide se mudar para Osbrück, cidade onde curiosamente os pais biológicos de Lindsay morávam. Ficava ali na região, depois das altas colinas. Os pais de Lindsay morreram num trágico acidente em uma meniradora, numa cidade vizinha chamada de Peltier. Sem parentes próximo, Victória, que era conhecida da família Lüscher, decidira adotar a garota, e privá-la desse passado cruel e incompreensível.A chegada em Osbrück fora de forma abrupta, e cheia de regras: sem novos amigos, sem passeios nos campos e pela cidade, sem mundo externo por longos períodos! O que Victória queria, era integridade. E esse excesso de insegurança deixava Lindsay sufocada. Sufocada o suficiente para querer saber quem eram seus verdadeiros pais, e o que de fato acontecera com eles na enigmática sexta-feira de 1874, em "cidade".
***
Uma súbita tempestade cai sobre Osbrück, rasgando os céus, e alertando que o verão deste ano seria mais intenso que o habitual. Para muitos o som barulhento dos trovões e os rápidos flashes de raios refulgentes, poderiam ser assustadores, mas Lindsay os adorava. Como se fossem parte de si. Era magnifico.
Lindsay estava de pé, pés descalços, vestido leve, solto, e cabelos amarrotados. Ela estava em seu novo quarto, que ficava no primeiro andar. Tinha um armário, um criado mudo ao lado da cama, uma grande e bonita janela com vidraças transparentes, e pilhas de livros. Livros por toda parte. Um sobre os outros, em montes. O singelo pijama que ela usava, descia até seus pés. Ela caminha suavemente até a janela e fica parada frente a ela, observando curiosamente aquela força intensa da natureza. Seu coração pulsava, como se fosse afastado pelos raios que corriam pelo céu, ligeiros, claros, ostensivos.
Lindsay olha para o relógio de parede e o mesmo marcava 1h30 da madrugada. O tempo passou muito rápido, e estranhamente ela ainda estava ali, parada, estagnada, observando hipnotizada as gotas d'água escorrer pelas vidraças límpidas.
Raramente essas coisas incomuns aconteciam, mas agora acontecem frequentemente. Haviam se passado trinta minutos.
Lindsay suspira, mantendo um sorriso no canto da boca. Vai até sua cama, amassa o travesseiro, joga-o de canto e se lança na cama. Era maravilhoso dormir com o som da chuva, mas Lindsay parecia estar acesa, sem sono... Só parecia. Parada, meditando, devaneando em pensamentos diversos, ela se encontrava melancólica de sono, muito rapidamente. As pálpebras de seus olhos pesavam e em segundos despercebido, ela dorme profundamente.
Nesta mesma noite, Lindsay começa a ter um sonho estranho e um pouco assustador, como um genuíno pesadelo.
Em seu sonho: uma jovem mulher de aproximadamente dezessete anos de idade estava correndo em meia uma floresta fria e escura. Parecia que ela fugia de algo que a perseguia. Notava-se medo e desespero no ar, caliginoso. Lindsay não conseguia ver ou saber quem era a garota. Era difícil ver seu rosto. O belo vestido azul ciano, longo, em renda, destacava-se no contraste ímprobo da floresta, e a deixava mais visível. Ela parecia não ter uma real direção para onde ir. As imensas árvores da floresta a deixava desvairada e Lindsay, parecia cada vez mais confusa e assustada com tudo a sua volta. Quando menos se espera, ela tropeça em um tronco e cai sobre o solo encharcado d'água, da leve chuva que caía. Um homem se aproxima da garota indefesa, rapidamente, tão rápido que nem parecia que estava andando. Sua pele pálida como mancha de giz em quadro-negro, indicava que ele sofria de alguma desconhecida doença, ou não pertencia a realidade.
Ele cheirava a morte. Numa fetidez única. Talvez, ele fosse a própria morte.
Um suave perfume de rosas, misturava-se ao ranço do homem. A sua aproximação deixou a garota em choque. Ela tremia, enquanto passava as mãos no rosto, como se quisesse quitar aquela imagem assustadora. Em um curto período de tempo, sem que ela pudesse se defender ou reagir, ele pega o braço da garota, com força, e a morde no pulso, como um animal.
Ela grita, estridente.
Naquele exato momento um imenso trovão estremeceu os céus, que veio a acordar toda a floresta, e por fim, Lindsay também.***
— Lindsay? — pronuncia sua mãe, Victoria, no momento em que ela acorda, tremula e atordoada.
— O que aconteceu, minha filha? Teve outro pesadelo? — Ela indaga em seguida, segurando firme em sua mão, que estava gelada e trêmula.
— Sim, mãe! Mas está tudo bem — Lindsay responde, olhando para fora da janela, e observa que a tempestade se distanciava.
Victoria nota a expressão de medo e dúvida, da filha. Ela sabia de seus inquietantes sonhos, sabia do que poderia se tratar.— Volte a dormir, querida — Victoria diz, tentando acalmá-la. Sorri e passa delicadamente a mão em seu rosto.
Victoria se levanta da cama, vai até a porta e antes de sair, aconselha-a o melhor:
— Esvazio a mente antes de dormir. Isso evita pesadelos...— Pesadelo? — Lindsay sussurra mentalmente, quando volta a encostar-se à cama.
Ela vinha tendo o mesmo sonho ruim, desde muito cedo, e outros que relatavam coisas semelhantes ao que acabara de acontecer, há alguns anos.
Ela não compreendia ou sabia o que poderiam ser ou o que esses sonhos queriam lhe mostrar, ou dizer.
Lindsay sabia que os sonhos têm grandes significados, mas o que realmente este intruso e repetitivo sonho, significava?
Apesar de ela não saber interpretá-los, não temia o pior. Sua curiosidade por certos assuntos, algumas vezes, não muito comumente, morriam no começo, e por fim, ela não sentia que deveria se aprofundar mais naquele impulso.Lindsay tenta ficar mais calma, antes de voltar a dormir, e com a adrenalina ainda agitando seu corpo, ela começa a limpar a mente dos pensamentos, como sua mãe a aconselhou.
Ela volta a dormir.VIVA, OSBRÜCK
A manhã iniciou tranquila e bem positiva. Victoria e Lindsay, se levantaram cedo e foram arrumar toda a bagunça da tempestade da madrugada. Galhos, folhas e muita sujeira, era a situação da varanda da casa.
Tempestades eram comuns em Osbrück, mas não tão fortes quanto a desta madrugada.
Lindsay varria a varanda, no ritmo de pássaros inspirados.
A brisa batia suavemente em seu rosto, dando-lhe vida.
Lindsay vira-se para entrar em sua casa, quando vê de relance um homem, alto, magro e pálido. Ele a observava de uma certa distância, debaixo de uma árvore. Ainda que ele fosse tão visível, ele parecia não pertencer a este mundo. Um arrepio passa pela espinha de Lindsay, deixando-a gelada e fazendo-a arrepiar. Ela entra e não tem mais coragem de dar uma espiadela, a fim de identificar quem era o marmanjo.
Seus instintos de mulher lhe diziam que aquilo não era um bom sinal.
Na sala, Lindsay fecha a porta e tranca as janelas, fechando as persianas, também, por segurança. De repente alguém toca-a em seu ombro, fazendo-a se virar subitamente.
— Filha?
— Mãe! Que susto — Lindsay suspira, com uma das mãos no peito, próximo ao coração.
— Você parece assustada, o que houve?
— Não foi nada, não. É que aqui dentro está muito... claro! — Ela tenta disfarçar, mas sabia que não era uma boa atriz.
Ainda assustada ela vai até a cozinha tomar um copo d’água. Ela não contou nada para sua mãe, pois não queria preocupá-la. Victoria já era paranóica, imagina se ela descobrisse que alguém anda anda vigiando-as.
De alguma maneira Lindsay reconhecia aquele homem de algum lugar, mas estava confusa demais para lembrar-se de onde.
— Não pode ser! — ela pensa, alto, se distraindo com o espanto, e deixando o copo de vidro cair no chão e despedaçar-se em milhares de cacos.
Escuta-se passos pesados, vindo em direção a cozinha. Era Victoria, e ela estava agitada.— O que houve? Você está bem? Sente alguma coisa? — Victoria pergunta nervosa, verificando se Lindsay não havia se machucado.
— Eu apenas senti uma tontura, mãe. Só isso — Lindsay responde, ao se abaixar para tentar juntar os cacos de vidro que haviam se espalhado por todo o chão.
— É melhor você subir para seu quarto e descansar mais um pouco. Sua noite foi um tanto agitada. Deixe-me recolher isso tudo... — Victoria diz, já se agachando-se.
— Eu posso ajudá-la...
— Não, filha. Vai descansar. Tenho novidades — Victoria diz, com ternura, mantendo um sorriso no rosto.
Lindsay atravessa a porta da cozinha e sobe as escadas que havia no canto da sala, e dava acesso ao andar de cima.Sonho, pesadelo ou realidade, uma coisa era certa: aquele homem era real e estava mais próximo do que Lindsay poderia imaginar.
Desde muito cedo ela fora uma garota um tanto perturbada por essas aparições misteriosas. Pelo menos na minha infância, em Saint'Raffan. O que a fez acreditar por um instante, que o homem que vira há pouco, era mais uma das aparições, que se aproximava a cada dia. Mas ela pensava em manter-se tranquila.
Seja lá o que aquele homem franzino e estranho queria, mas talvez Lindsay devesse parar e prestar atenção nos sinais ou até mesmo, tentar "ouvi-lo".
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O ESTÁGIO: Inevitável
Novela JuvenilOsbrück, Alemanha de 1910. Em "O Estágio", Lindsay Lüscher terá que correr contra o tempo e achar a solução para quebrar a maldição de Zweibluts, ou caso contrário se transformará em vampira, mas caso a garota beba sangue, ela morrerá. Inevitável s...