Sete e meia da noite. Foi a hora que Catarina passou para pegar a bolsa, que consegui concluir a duras penas. Ela saiu de lá direto para o aeroporto, levando, além da bolsa, mil pedidos de desculpas meus. Ainda me tremia quando, depois de me despedir dela, voltei à calçada. Cansado, sentei no longo banco de concreto que separa o passeio da rua da circulação externa da galeria onde fica minha loja.
Eu estou totalmente fora da minha rotina.
Lembrei disso quando vi a cafeteira Café Doce Café fechando. Cena esta que nunca presenciei. Respirei fundo, concluindo que a única coisa que me restava fazer era ir para casa, tomar um banho, dormir e acordar no próximo dia com o pé direito. Àquela altura não restava dúvidas de que eu tinha pisado primeiro com o esquerdo de manhã. Mas minha opinião ia mudar logo em seguida.
Do meu lado se materializou alguém, que vinha correndo. Saltei do banco, assustado, quase trombando no rapaz.
— Desculpa! — Falou ele, me segurando pelos ombros.
Seu toque era firme, assim como seu tom de voz que, além disso, combinava perfeitamente com ele. Alto, negro, cabelo quase raspado. Ah! Cheiroso! Como era cheiroso. Mesmo suado. Notei que ele não corria para se exercitar, pelo menos não naquele momento. A roupa social entregou. Por falar na roupa, o corpo marcado sob ela me agradava bastante.
— Tá tudo bem? — Perguntou, me tirando do transe.
— Oi! Ah... Sim. Só me assustei. — Falei, confuso.
— Desculpa! É que eu vim correndo ver se conseguia pegar a cafeteria aberta.
— Acabou de fechar. — Contei.
— Droga! — Lamentou. — Hoje nada deu certo.
Até fazendo careta ele é lindo. Observei.
— Bem vindo ao clube! — Brinquei.
— Pra você também? — Perguntou ele.
— Tá vendo essa loja? — Apontei ao falar.
Ele olhou rapidamente a fachada, depois voltou a me encarar.
— É minha. — Continuei. — Nunca fechei ela tão tarde. Meu dia foi uma loucura. Fiquei com a rotina toda bagunçada.
— Nossa! — Exclamou. — Não posso reclamar, então. Meu dia teve uns pequenos problemas, que me fizeram chegar aqui meia hora atrasado. Mas tu deve estar o que? — Conferiu o relógio no pulso. — Duas horas fora do horário. Do jeito que eu sou obsessivo com minha rotina, eu estaria louco no teu lugar.
Meus olhos devem ter brilhado com as palavras dele. Pela cara que ele fez, com certeza brilharam. Ou talvez minha cara de bobo fez ele reagir daquele jeito. Mas eu estava mesmo bobo. Eu não estava mais sozinho no mundo. Parecia que eu tinha encontrado alguém que parecia ser tão louco quanto eu pela rotina diária.
Nos sentamos no banco e começamos a conversar, numa disputa para ver qual dos dois tinha mais fixação pela rotina. De cara, eu quis ser amigo dele, pelo menos. Mas, poucos minutos depois, achei que tinha encontrado meu par perfeito. Porém, não sabia se ele era gay. Falei algo sobre B1 e B2, deixando claro que eram meus ex-namorados. Disse que tinham acabado o namoro por me acharem exagerado no apego a minha agenda.
— Eu só namorei uma vez. — Disse ele. — Um dia recebi uma mensagem dizendo que o relacionamento tinha acabado por incompatibilidade de agenda. — Rimos. — Juro! Ele usou essas palavras: incompatibilidade de agenda. Eu não sabia se sentia ódio dele por acaba pelo WhatsApp ou de mim por essa obsessão.
Ele usou a palavra ELE!
Não pude demonstrar a alegria que senti quando descobri que se tratava de "um" ex. Não queria dar na cara o quanto que eu estava interessado. Mas resolvi investir.
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Dia, Lugar e Hora
Historia CortaA fixação que o jovem Luan Biagi tem pela sua rotina beira o TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo). E quando uma quinta-feira, que deveria ser igual a todas as outras, passa a sofrer interferências externas, atrapalhando assim seu itinerário habitua...