Prólogo

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Rotina, todo mundo tem. Muito ou pouco, mas tem. Outra coisa que todo mundo tem é alguma característica ambígua, aquelas bilaterais, que podem ajudar e ao mesmo tempo atrapalhar, ser boas algumas vezes e ruins em outras. A minha é justamente a fixação com a rotina. Esse é o prazer e o dissabor da minha vida.

Prazer, porque me satisfaz saber qual o meu próximo passo, me deixa seguro a certeza de como meu dia começará e acabará. Eu não gosto de surpresas ou distrações que atrapalhem minha rotina. Por isso, resolvi morar só e abri meu ateliê, onde crio e vendo bolsas. Assim consigo controlar melhor as coisas, manter minha rotina intacta.

Dissabor, porque nem todo mundo entende o quão importante é ter uma rotina fixa. Além de não ter conquistado muitas amizades, eu estar solteiro aos 29 anos, era reflexo disso. Relacionamentos não engatavam. Meus dois últimos – e únicos – namorados não resistiram aos meus costumes. Pior para eles e suas vidas absolutamente bagunçadas.

B1 e B2, como os Bananas de Pijamas, foi assim que apelidei meus dois ex-namorados. B1 para o primeiro, B2 para o segundo. Eles tentaram desmanchar minha rotina, o que consoderei um afronte. B2 até me convenceu a desenvolver uma rotina diferente para cada dia da semana. Aceitei, mas não foi suficiente.

Pelo menos mantive a nova rotina, cada dia da semana uma agenda. E, com muito esforço, foi o máximo que consegui evoluir. Esse dia, por exemplo, era uma quinta-feira. Eu repassava mentalmente o itinerário para as quintas-feiras, enquanto descia no elevador do prédio onde fica meu apartamento, quando uma dúvida voltou a me perturbar.

Pé esquerdo ou pé direito, Luan? Eu me perguntava novamente com qual dos dois eu havia tocado primeiro o chão ao acordar. Uma das coisas que mantive em todos os dias foi o costume de acordar e pisar primeiro com o pé direito no chão. Mas levantei um pouco atrasado e não prestei atenção em qual tocou primeiro o piso.

Deve ter sido com o esquerdo, concluí ao olhar meu relógio de pulso e conferir que eu estava cinco minutos atrasado. Quintas-feiras eram péssimas para se atrasar, eu sabia bem o porquê. Respirei fundo e torci para conseguir correr e tirar o atraso, não deixando que esses detalhes atrapalhassem ainda mais o meu dia.

Cheguei ao térreo e me preparei para seguir até a primeira atividade do dia, fora de casa: o café da manhã. Enquanto caminhava até a cafeteira que fica em frente ao prédio, lembrei que quando B2 me convenceu a criar uma rotina diferente para cada dia. Eu aceitei, porém, mantive todas as atividades idênticas, mudando apenas os estabelecimentos a cada dia. Talvez não tenha sido suficiente pra ele.

Quinta-feira, dia da Cafeteria Gran Barí. Das cinco frequentadas por mim a mais próxima de casa, mas também a que mais podia me atrasar, por sempre estar lotada. Atravessei a rua e já estava bem em frente a ela. Entrei apressado e parei, surpreso. Estava praticamente vazia. Sorri, pensando que talvez não tivesse sido o pé esquerdo.

Dia, Lugar e HoraOnde histórias criam vida. Descubra agora