Capítulo Um

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- Ceci, Ceci. - A pequena me chamava agora, olhando assustada para mim. Havia despertado e eu não tinha percebido, a cabeça estava longe enquanto olhava sua tranquilidade ao dormir. - Porque você tá cholando? - Perguntou fazendo um bico que se não fosse a situação me faria sorrir.

- Não estou chorando minha pequena.- Tentei abrir um sorriso amarelo, disfarçando toda a dor que habita meu coração. - Caiu um cisco no meu olho.

- Cisco mal. - Ela tentou ficar brava me chamando para junto de si. - Ta doendo?

- Um pouquinho meu amor. - Abracei seu corpo frágil apertando ao máximo junto ao meu, se ela soubesse o quanto meu coração dói. - Mas vai passar meu anjo. - Beijei sua testa.

- O dia ta tão lindo. - Disse sorrindo. - Eu vai pra escolinha hoje?

- Hoje não, temos outras coisas pra fazer. - Falei olhando pro canto do pequeno quarto onde dormimos, as malas já estavam arrumadas, não tinha mais o que fazer.

- Vamo viajar lonjão? - Perguntou, juntando as sobrancelhas em dúvida.
Apesar de ser pequena no tamanho essa menina sabia muito bem se interpretar, com um pouco mais do que quatro aninhos, me interroga sem pudor, me fazendo ter dúvidas se ela é apenas um bebê realmente.

- Nós vamos ter que nos mudar meu amor. - Beijei seus cabelos loiros, aspirando seu cheiro, tentando ganhar tempo para não mostrar a fraqueza em minha voz.

- A Vovó Helena e o Malhado vão também?

- Não Dulce, eles vão para outro lugar.

- Eu não quero ir então. - Disse se afastando de mim.

- Não faz isso comigo pequena. - Suspirei. - Não vamos perder tempo brigando, que tal ir brincar com o Malhado? Talvez a Vovó tenha feito bolo, você ama lembra?

- Lembro, mas eu to sem fome. - Disse triste, ameaçando chorar.

- Eu brinco com vocês. - Sorri mais convincente, teria que funcionar.

- Você quase nunca blinca.

- Mas vou hoje. - Disse levantando ela com cuidado.

- Plomete? - Sorriu os olhinhos azuis brilhantes que tanto amo.

- Sim Dulce, prometo. - Disse vencida enquanto ela se agarrava a mim.

Malhado corria alegre, diferente dos outros dias ele parecia querer aproveitar cada segundo ao lado da minha irmã, apesar dos movimentos repetitivos de correr atrás da bolinha velha ele parecia realmente contente ali.
Estávamos sentadas na velha grama, já se passava das 10 da manhã e eu não havia tido coragem ainda de me levantar e recolher o pouco do que nos restava. A vila muito simples e pacata tinha sido posta a venda alguns meses antes e apesar do lugar ser movimentado não imaginei que seria vendida tão rápido.
A ordem de despejo chegou, ontem a tarde e tínhamos pouco mais de 24 horas para desocupar o lugar. Vários sonhos estavam ali, muitos deles já haviam ido, com vergonha da humilhação que passariam se os novos donos chegassem antes da nossa saída, mas pouco me importa isso, não tenho para onde ir e Dona Helena é nossa única família. Mas ela idosa não tem muito o que nos ofertar e o que me resta é vagar com minha irmã atrás de um abrigo.

- Cecília. - Ouvi o chamado de Dona Helena me levantando em seguida para ir até ela.

- Senhora. - Tentei sorrir em meio a despedida que eu sei que viria.

- Meu filho chegou. - Disse tentando ser forte. - Por mim levava vocês, mas eu não tenho sustento, vou depender dele, a casa pequena e os filhos pra criar...

- Não precisa. - Disse limpando as lágrimas. - Nunca esqueça da gente. - Sorri beijando sua testa. - Você com certeza foi a melhor coisa que nos aconteceu, obrigada pela ajuda, pelo carinho e toda atenção dada a minha irmã, tenho algumas notas na bolsa, não dá pra um lugar, mas pelo menos vai nos impedir de passar fome, pelo menos essa semana. - Tentei segurar o gemido de dor, falar isso doía bem mais.

- Vocês não podem sofrer desse jeito. - Me abraçou enquanto as lágrimas grossas lavavam meu rosto.

- Deus vai nos ajudar, eu acredito que Ele não faria isso com a gente, não por mim, já pequei demais acredito que estou pagando algo, mas minha irmã é um anjo.

- Não fale assim, você sabe que não fez nada para merecer isso. - Falou rude, talvez brava com minha atitude.

- Ok. - Sorri, Dulce não podia me ver chorando. - Vamos te visitar assim que puder, afinal não é tão longe assim.

- Estarei esperando vocês minhas meninas.

- Cuida bem do malhado. - Disse lembrando do cão que tanto nos trouxe alegrias e raivas com suas travessuras.

- Tenho certeza que ele vai sentir muita falta de vocês. - Sorriu fechando a porta da sala já emocionada.

- Ceci, vem cá Ceci. - Ouvi os gritos da minha irmã correndo a tempo de ver uns homens entrarem no quintal trajavam vestes iguais acredito que seja de alguma empreiteira que vai iniciar a obra, o pesadelo havia mesmo começado e agora me arrependo de não ter ido antes disso.

- Quem são eles? - Seus olhinhos assustados buscavam os meus.

Eles pareciam gentis e esperavam minha atitude para especionar o lugar.

- Lembra do nosso passeio?

- Eu não quelo ir Ceci. To blincando com o Malhado, você plometeu.

- Não temos escolha meu amor. - Disse abaixando ao seu lado.

- Vamos, já começaram? - Uma voz imponente perguntou levantei a vista a tempo de ver um rapaz alto e moreno passar pelos portões, parecia agitado e alheio ao nosso desespero.

- Porque ele ta glitando Ceci, é nossa casa diz pra ele ir embora.

- Eu não posso dizer isso Dulce, eles compraram nossa casa. - Sussurrei segurando as lágrimas.

- Pra onde a gente vai? - Ela perguntou olhando para mim.

- Vamos, não tenho tempo para ficarem olhando. - Ele bateu palmas para os homens que mais pareciam seus serviçais, éramos insignificantes demais para ele notar a nossa presença. Pude ver a compaixão dos rapazes, deixei Dulce para pegar nossas malas seria mais rápido levar tudo de uma vez.

- Vamos menina. - Levante, ouvi ele gritar com minha irmã, os olhinhos agora derramavam lágrimas, ela não conseguiria. - Estou esperando. - Ele falou batendo o pé na grama, amassando o que a gente tentava manter. - Não tenho o tempo todo para birra de menina malcriada.

- Ceci eu não consigo. - Ela suplicou olhando pra mim enquanto eu olhava para o rapaz em minha frente repudiando toda a sua existência. Havia esquecido a prótese em casa, ela tinha reclamado de dor e não coloquei essa manhã, como ela estava sentada não se percebia a falta da perninha dela.

- Senhor deixa eu só ajudar elas. - Pude ver um dos rapazes tentar amenizar, mas ele era cheio de si demais para prestar atenção a qualquer coisa. Apoiei minha irmã ao meu corpo, colocando forças para suspender em meus braços, quando senti seu olhar correr por mim e em um lampejo pude ver, não sei ao certo piedade, mas eu não queria isso de ninguém muito menos dele.

Na Escuridão dos Seus Olhos Azuis Onde histórias criam vida. Descubra agora