Capítulo 1

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Alguns acreditam na reencarnação, outros na preservação do espírito, uns acreditam no descanso eterno, outros no paraíso.
Pra ser sincero, não faço a mínima idéia do que aconteceu nesse momento.
Só me vi parado em frente a cama de Catherine enquanto ela arrancava com total brutalidade os origamis que penduramos no quarto dela no verão passado.
Olho para Rine, não pude concluir minha passagem porque alguém do outro lado ainda sentia a minha falta, ainda chorava por mim, do outro lado, alguém ainda sussurrava meu nome entre suas rezas e o soluço abafado pelo travesseiro.
E, se alguém ainda estava triste com a minha partida, eu deveria estar também.
Observando pelo despertador, consigo ver a data, 11/07.
Faz seis meses que morri e aí olhei para Rine, que ainda arrancava os origamis e vi as lágrimas querendo se formar, era meio engraçado a forma que ela ficava quando queria chorar: ficava vermelha, mordia a boca e suspirava falando algum palavrão desconexo e voltava ao que estava fazendo.
A verdade é que, enquanto vivo, eu nunca vi a Rine chorar, eu sabia que ela tinha as suas fraquezas, mas ela era a pessoa mais forte e destemida que eu conhecia.
Conheço a Rine desde os oito anos, quando uns idiotas estavam zoando meu poema na aula de literatura  e Rine se levantou e aplaudiu, dizendo que estava ótimo e disse que era minha fã já, desde aí, não nos desgrudamos mais.
Rine sempre foi comunicativa, tinha vários amigos, mas ela nunca me deixou sozinho, era só eu e ela, até eu morrer.
Eu ainda observava ela, na escola, ela continuava a mesma de sempre, no intervalo, sempre sentava na escada,nosso lugar marcado, enquanto lia algum texto.
Rine sempre foi péssima para superar as coisas, ela ia guardando tudo e ignorava, mas não superava.
O celular dela começou a tocar, o toque ainda era "toxic", sorri ao lembrar dela cantando bêbada na festa de dezesseis anos, em cima de mim, para ser mais exato.
- Ainda  não mudou o toque? Britney Spears já tá ultrapassado, não acha Rine? - Falo arqueando a sobrancelha. Ela paralisa e olha para todos os cantos do quarto até colocar os olhos cinzentos em mim, que estava sentado no chão.
Vejo ela ficar pálida e os olhos se arregalaram.
- V-você? - ela diz tremendo.
Rine me viu sangrar até a morte e foi ela quem deveria ter jogado  minhas cinzas.
Sendo que, eu vi o vaso com elas na sua cabeceira, levemente macabro, mas eu conhecia ela, ela não fez isso porque não se sentia pronta.
E eis aí o possível motivo da minha vinda,ela precisa se livrar de mim, de alma e coração. Enquanto ela ainda estiver triste,eu não vou poder ir.
- Eu - sorrio
- eu tô louca? - ela se abaixa e senta na minha direção, seus olhos já estavam úmidos e eu vi como ela estava acabada, parecia tão frágil, o que era o oposto da Rine que eu conheço.
- Não, mas é uma longa história -falo tentando passar segurança.
Eu entendo o quão nervosa ela esta, imaginem: seu melhor amigo morre, as cinzas dele estão no seu quarto e ele de repente aparece na sua frente, é de assustar qualquer um.
- O que é você? - Ela sussura abraçando os joelhos.
- Sou o Sammy ainda, eu te explico depois.
- Você tá vivo? - ela fala ficando vermelha e logo em seguida morde a boca e sussura algo, provavelmente um palavrão.
- Não Rine, eu morri mesmo.
- M-mas como você tá aqui? - ela se encolhe e os olhos umidecem novamente.
- Acredite, nem eu sei - minto, uma coisa de cada vez Rine, uma coisa de cada vez.
- Eu posso tocar em você ou você é tipo uma visagem? - ela prende a respiração e treme um pouco.
Uma das coisas legais sobre estar morto é que seus sentidos ficam mais aguçados, eu até consigo ouvir a conversa da mãe dela no telefone, estou me sentindo um Edward Cullen ou algo do tipo.
Me aproximo devagar da Rine e sento ao seu lado, ela fecha os olhos e eu apenas a olho, nessa hora, ela começa a chorar, não era aquele choro alto, era inaudível e ela soluçava de vez em quando.
-Senti sua falta - ela diz.
- Você não consegue viver sem mim, né? - falo
- Tu se acha pra porra - ela ri baixinho, ainda fungando.
-E você me ama - Ela revira os olhos e mostra o dedo do meio. 
-Então, o que aconteceu depois que você morreu? - ela diz mais calma.
-

Eu não lembro, eu só fiquei dando uma de fantasma solitário, fiquei observando vocês, aliás, adorei a tatuagem da flor com meu nome - Faço uma cara maliciosa. Rine tinha feito uma tatuagem pequena no meio dos seios  com meu nome assim que eu morri.
-Você me viu nua, seu imbecil?- Ela me olha revoltada, não seria a primeira vez, penso pra mim mesmo.
- Vai mesmo tirar os origamis? Deu um trabalhão pra fazer todos eles - Falo pegando um cisne azul na mão.
- Não - ela diz e sorri.
- Te ajudo a colocar de volta - levanto e puxo ela.

                          [X]


21/10/2018

The dark blueOnde histórias criam vida. Descubra agora