Capítulo 1

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- Não!

- Como assim não?

- Não, Mike, eu não vou. Você não pode fazer isso comigo!

- Desculpe... Você, por acaso, bateu a cabeça quando acordou essa manhã? Eu sou seu chefe, Ana Bella, e estou mandando que vá a esse show. Entendeu? Mandando.

- Qual é, Mike?! Você foi promovido há uma semana e já vai me rebaixar a tiete desse projetinho de badboy?

Mike revirou os olhos e bufou em sua nova cadeira giratória.

- Ana, você é jornalista. Jornalistas fazem entrevistas. Você vai ao show. Você vai ao camarim e faz uma exclusiva com Leo. Você volta para casa. Você escreve a matéria. Você esquece que essa noite aconteceu. É simples!

- Mike, por favor, você não está entendendo a gravidade da situação. Eu escrevo sobre política, sobre questões sociais, eu transmito noticias importantes em uma língua que o público jovem-adulto possa entender. Eu mudo a perspectiva do país. E mesmo sabendo que faço isso com louvor, você quer que eu faça uma entrevista com a cópia de um dos maiores vocalistas que o mundo já conheceu?

- Era para ser um presente, Ana. Pelo amor de Deus! Você adora The Throwbacks, ainda são eles. Prometo que não será uma entrevista longa, mas entenda, Leo completa cinco anos na banda, é um momento importante e precisamos publicar essa matéria antes de qualquer outro site. Você tem noção de quantas ligações precisei fazer para conseguir uma exclusiva com ele? Pior! Você tem noção de quantas pessoas aqui gostariam de ir no seu lugar? – Seu rosto estava cansado e ele já estava bastante exaltado, mais alguns minutos e estaria gritando comigo e me despedindo.

- Então mande alguma delas, meu caro amigo – Meu sorriso debochado parecia tê-lo irritado ainda mais.

- Seu nome já está na lista e não tem mais discussão – Seu olhar se voltou para o computador em sua frente, indicando que eu já não era mais bem-vinda naquela sala. Levantei da cadeira e me dirigi até a porta, na esperança de que ele mudasse de ideia e tivesse consideração por uma amiga querida. – E Ana... – Ele chamou quando abri a porta. – mande lembranças ao seu pai – Sorrindo, mandei a ele o dedo do meio e saí daquela maldita sala.

Caminhei a passos largos pela redação, ouvindo meus colegas de trabalho comentando sobre a sorte que eu tinha em poder entrevistar Leo Curtes. Sorte eu teria em entrevistar Harry Curtes, e não o filho babaca que tomara seu lugar como vocalista.

The Throwbacks fazia parte da história dos meus pais. O primeiro encontro foi em um show deles e de acordo com minha mãe, o primeiro beijo aconteceu logo que descobriram que os dois amavam a banda.

Já eu... não era a maior fã. Gostava, cantava, admirava, até tinha algumas músicas deles na minha playlist, mas se pudesse escolher uma banda para embalar a trilha sonora da minha vida, com certeza daria preferência para algo como AC/DC, Pink Floyd ou talvez Guns N' Roses.

- Mich, nós precisamos conversar. Você não pode se casar com Mike, ele não é quem pensávamos! – Despejei ao chegar na mesa de Michelle.

- Do que está falando, Ana Bella? – Ela perguntou, preocupada.

- Ele está me castigando por não querer sair com o amigo dele e agora quer que eu vá puxar o saco de uma criança – Cruzei os braços e bufei, cuidando pelo canto do olho sua expressão de graça.

- Em primeiro lugar, ele não se importa se você não quis sair com Josh, ele é nosso padrinho mas não tem nada a ver com você, só achamos que seria legal fazer um programa de casais, nada demais. Em segundo, Leo Curtes é dois anos mais velho que você, então não pode chamá-lo de criança. Em terceiro, você ama rock e vai amar o show, feche os olhos e pense que Harry continua no palco. E em quarto e último, aproveite e faça a melhor entrevista de sua vida, sabe que Leo odeia falar com jornalistas, você vai ser a primeira em cinco anos e se souber conduzir pode conseguir informações muito preciosas – Michelle finalizou seu discurso com um sorrisinho convencido e uma piscadela.

Suspirei e em um momento raro, me dei por vencida.

- Eu te odeio e te amo ao mesmo tempo, isso me dá dor de cabeça.

Sentei em minha mesa e observei a foto colada em meu notebook. Meus pais abraçados e ao fundo um pôster do The Throwbacks. Eu queria poder mandá-los no meu lugar.

Maldito Leo Curtes!

- Acho que você não demora tanto para escolher uma roupa desde a formatura

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- Acho que você não demora tanto para escolher uma roupa desde a formatura. Isso é tudo animação para conhecer o Leo? - Michelle perguntou do outro lado da tela, enquanto bebericava de uma taça de vinho branco.

- Você - apontei para a tela do notebook. -, vá se foder. Não quero usar as roupas que sempre uso em eventos assim... Não me importo com o que ele possa pensar sobre mim, mas não quero parecer uma fã, quero parecer uma jornalista séria, como realmente sou. E também, duvido que ele me tire do sério caso se sinta intimidado por mim, tenho certeza que se mantiver a postura, vou conseguir a melhor entrevista da minha vida.

- Por favor, me explique o porquê de tanto ódio - Michelle pediu. - E pegue o macacão de malha no fundo do armário. Dei a você no Natal retrasado e nunca a vi usando, hoje é o dia.

Peguei o cabide e analisei a peça de roupa. Eu ficaria patética usando uma roupa tão formal em um show de rock. Então, era exatamente assim que eu iria.

- Estou esperando...

Revirei os olhos e troquei de roupa.

- Eu não o odeio, Michelle - Respondi, observando o espelho, já dentro do macacão. -, nem o conheço. Só acho que não serve para o rock, ele devia formar uma dupla com o Justin Bieber, isso sim. Não vejo emoção quando ele canta. Tudo bem... confesso que a saída do seu pai me afetou um pouco, a banda significava muito para minha família, mas sinto que Leo só está ali para se promover, não sei explicar.

- Quantas vezes você assistiu um show com ele, Ana? - A voz de Mike surgiu da tela.

- Uma - Sussurrei.

- Quantas? - Mike gritou, me forçando a falar alto.

- Uma! - Gritei de volta.

- Você tem é birra, sua bobona. Leo é super talentoso e é incrível no palco, além de escrever músicas incríveis. Vá lá e aproveite! Quem sabe você não encontra o amor da sua vida na plateia... - Michelle piscou e encerrou a chamada de vídeo.

Prendi o cabelo e calcei um salto, pus o gravador e a caderneta com as perguntas na bolsa e tranquei a porta do meu apartamento.

Enquanto esperava o táxi, decidi engolir meu orgulho e dar uma chance à música de Leo. Quem sabe em alguns anos, eu não ensinasse meus filhos a amarem o rock com as músicas dele. Talvez eu voltasse para casa surpreendida, tudo podia acontecer naquela noite. 

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