A garota adormecida

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Não me lembrando de como eu era antes de tudo, da felicidade genuína, do cheiro da Primavera próxima e preocupações adequadas- apenas alimentar o gato e tirar as roupas do varal antes que a chuva as alcance- so sei como é querer morrer, como dói sorrir, como é tentar se ajustar a uma nova realidade e não conseguir, falhar inúmeras vezes em tentar voltar a normalidade, se ferir por fora ao tentar matar o que tem por dentro, as vezes so torço para que me encontrem e acabem com o resto de humanidade que ainda há em mim, mas ai me lembro das garotas, jovens demais para seres tratadas como mulheres, usadas sem ter o privilégio de escolha, me lembro pelo que vale a pena viver, não por mim e meu egoísmo em ter uma vida pacata, não pelas tardes de sol que me sentava em frente a janela e lia meu livro favorito, não, mas pela chance de vencer o mal e dar a elas uma vida pela qual vale a pena lutar, a vida delas vale toda a tranquilidade que deixei pra trás, e é isso que repito todas as vezes que olho para a arma em minha cama e reflito, não vou desperdiçar uma bala em mim quando o dono dela ainda anda solto por ai, não enquanto ele estiver livre.

- Diário de Lucinda Torres.

Elijah se sentou na poltrona inclinavel ao lado da enorme maca do hospital, vários tubos se conectavam ao pequeno corpo no centro da cama coberto pelas mantas azuis do hospital, o rosto da mulher estava inchado e corpo totalmente paralizado, sua respiração era controlado por tubos em sua boca e nariz o barulho da máquina de oxigênio era um tanto irritante por ser repetitivo e constante, uma enorme janela que se estendia até o chão iluminando o quarto escuro e silencioso, seu coração parecia querer sair pela boca ao ve-la daquela forma, as fotos tiradas por seu investigador não condiziam com o mulher desacordada em sua frente, uma lutadora natural, Elijha não entendia o que lhe prendia ali, mas a ideia de alguém a machucar era devastadora para sua mente, mesmo após a recusa do estado em aceitar sua ajuda- no qual considerava um ato obrigatório ja que ele era o único culpado por tanto tumulto- contratou dois seguranças que trabalhavam disfarçados na recepção, Hugo e Pedrovik, grandes homens russos que sequer precisavam de aramas para serem fatais, subornou dois enfermeiros e um médico, lhe dando um certo controle no estado de Amélia, odiava ter que optar pelo caminho ilegal, mas essa era sua única opção, a única forma de manter sua mente sob controle, de não ter pesadelos- pois era assim que considerava os sonhos que tinha com aquela garota- todas as noites.

- Amélia... O nome da garota mesmo embaralhando em sua língua materna lhe era doce, era difícil para o russo falar um inglês fluente e português ainda mais, repetia mentalmente o nome para poder se adaptar melhor com ele, se acostumar, era como uma música chiclete em sua cabeça assim como a imagem dela, a garota sorridente andando em sua bicicleta, as últimas fotos antes do acidente.

O porta foi aberta devagar fazendo o rangido tirar Elijah de seus pensamentos, grandes olhos de um castanho aveludado fitaram o homem sentando em frente a maca com uma das mãos pousada na mão delicada da garota adormecida, Marta não se assustou com a imagem, o reconhecia de alguns dias atrás, o homem de terno negro sentando na recepção des da chegada da pobre garota, sabia que sua entrada não era permitida mais se negou em expusa-lo, ele parecia o único a se importar com aquela pobre alma indefesa.

. - Vão trocar os turnos daqui vinte minutos. Comentou baixo verificando a temperatura corporal da garota, mesmo inanimada seu corpo ainda era quente, como se estivesse apenas dormindo e não em coma. - Precisa tomar cuidado, tem câmeras para todos os lados.

. - Obrigada. Respondeu Elijha se levantando, era um homem alto e de olhar perigoso, poucos achariam que estivesse ali apenas por peso na consciência, até mesmo a velha enfermeira duvidava que fosse apenas por isso, podia ver o brilho incomum em seus olhos quando eram direcionados a garota adormecida, quase como zelo. - Só precisava de algumas respostas.

. - Ela não pode ajudar muito. Respondeu alisando o rosto delicado da garota. - Mas espero que logo acorde e acabe com toda essa confusão. Sorriu. - quem sabe tenha Alguém lá fora. Notou o maxilar do russo trincar. - Sempre há esse possibilidade. Deixou claro.

. - Duvido muito. Retrucou contornando a cama, pegou o celular em seu bolso e deslizou os dedos na tela procurando uma imagem que estranhamente não deixava de ver todas as noites, exibindo para a senhora. - Essa é ela sem todos esses tubos. Na foto Amélia sorriu timidamente, com os cachos rebeldes em volta do rosto e dentes perfeitamente alinhados, com os braços segurando um copo enquanto posava para alguém do outro lado da câmera.

. - É realmente uma moça muita bonita. Comentou voltando a observar o rosto inchado da garota deitada. - Mesmo assim... você ainda é uma garota de tirar o fôlego. Comentou para a Amélia adormecida.

Assim que devolveu seu celular ao bolso o objeto vibrou, e continuou a vibrar até o russo por seus olhos azuis sobre a tela, a velha enfermeira notou a expressão pacífica do homem em sua frente mudar de uma hora pra outra e não gostou da reação, seu peito soltou ainda mais quando ouviu o que o Elijha tinha a dizer.

. - Preciso tira-la daqui, alguém com toda certeza a encontrou, e não é da forma que pensava.

O Segredo de Amélia Onde histórias criam vida. Descubra agora