alguém.

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dezembro de 1974, sons de um recém nascido ecoam em minha mente, mas como é possível ? estou preso aqui há muito mais tempo do que posso contar e jamais escutara um mísero som.
este som ecoa por toda essa imensidão vazia e alcança o meu peito oco, mas quem é que está fazendo isso? não fui eu o condenado a viver sozinho?
chegando a porta, consigo ver carros e uma avenida movimentada, aparentemente existia mundo, só não conseguia vê-lo antes , antes daquele belo e agudo choro.

algo me diz que devo ir atrás disso, porém o que me diz isso? não fui eu o condenado a viver pela eternidade sozinho?
confuso, porém caí na tentação da esperança, vesti meu casaco velho abri a porta e parti.
é inverno, consigo sentir minha respiração ofegante quase congelar e minhas mãos tremem, mas estas não são de frio.

virei a esquina com a avenida e parti , em direção àquele som, porém , porquê só eu o escuto? talvez finalmente fiquei insano, mas duvido disso no fundo.

-que dia é hoje?
era a indagação de uma senhora ao meu lado, antes despercebida
"Talvez 5,6 quem sabe"
dizendo isso, passei a caminhar no fluxo normal, porém a avenida antes movimentada agora é um completo silêncio, só consigo ouvir o choro , mas agora este parece de uma jovem que perdeu um ente.
"Há quanto tempo que não chorava?" era a única coisa lógica que fazia sentido em minha confusa mente

nisso já é outubro de 89, porém não quanto outubro quanto àquele outubro em que brincava com bonecos de ação e carrinhos.
"o que eu perdi?" Talvez essa não fosse a melhor dúvida a se ter, mas era a única coisa que assoava bem com o momento.

consegui chegar ao metrô, uns 300 metros de casa, talvez menos.

nisso pedi passagem para Manhattan e parti.

sempre me perco quando parto, e sempre fui perdido,"desde quando ?" Bom, não sei dizer, só sei que faz bastante tempo que não ouvia a palavra "amor"

afinal o que era isso? essa dúvida me mata a tempos, ainda mais quando olho pela janela aquela cidade que , apesar de tão vazia por ser manhã, é tão mais viva que qualquer sistema da natureza, falando nisso, será que tem algo a ver com amor?

Amar é algo ensinado pelo homem ou é algo natural? depende muito do seu ponto de vista. talvez a grande parte seja industrial, mas ainda há amores não desmatados ?

mais uma vez consigo ouvir o choro daquela pessoa , quem é ? isso já tá me deixando levemente insano, se é que me entende.

meus fantasmas me assombram assim como uma árvore cobria-me do sol enquanto brincava.

fantasmas são assombrações ou bençãos? nesse mundo monótono e parado , talvez fantasmas sejam uma cura para os sãos.
tenho os meus, lembranças, dor, o passado em si. Não é algo que me arrependo, longe disso, não conseguiria viver sem meus fantasmas.

Parece que chegamos, saindo da estação vejo uma estranha com cachos e ela me encanta, me encanta mesmo cara.

algo me dizia que era dela que vinha o choro, mas como é possível ele vir de alguém tão escaldante e quente?
bom, talvez eu não deva me meter na vida dela, não acho que seria uma boa ideia, todos devem viver sem a minha intromissão.

agora que sabia de quem era aquele lindo choro, posso voltar em paz.

Em minha cama, nao consigo descansar, será que é por conta de não existir uma cama? Bom isso não tem mais graça como antes, costumava rir comigo mesmo.

pensando, pensando e pensando. Passou o tempo. Mais um choro de criança é ouvido por mim, esse dizia "venha"
mas ir para onde? Não posso fugir de meu compromisso com o vazio. Ou.. será que posso?

Tomei coragem e já é setembro , mas, como sei que é setembro?
quanto tempo faz que não olho a cidade? ela parece.. diferente?
a atmosfera me puxa pra dentro de mim mesmo e quando percebo estou numa cama de hospital. Cama? pensei que esse termo era falho, mas certamente é uma cama.

mas tudo é tão grande , tudo é tão gritante, que mundo é esse?

Isso me assusta, mas não me assusta tanto graças a mamãe.

talvez eu tenha perdido minha capacidade de falar , o que era isso mesmo? Talvez agora estou conseguido compreender a situação em que me encontro, é um novo mundo, um novo eu.

dessa vez vim como um garoto , quantas vezes tive esse privilegio? Não que ser mulher ou ser homem faça diferença, gosto das famílias em que passei e isso é estranhamente doloroso, não que eu sinta dor alguma.

aparentemente aqui não é inverno no natal, estranho mas legal, estou compreendendo.

que ano estamos? 1990? não, não acho que teriam essas coisas naquela época.
talvez 2000? bom, não preciso saber disso por agora.

Pisquei e já é manhã, gosto de jogar esse jogo, mas não o que está conectado, sabe, isso tudo é um jogo.

o choro que antes veio quando velho, agora veio antes de mim, é bom, é o mesmo agudo e belo choro. Como amo ouvir àquele som.

2008, até que aquela garota é bonita mas, será que faz alguma diferença? Meu corpo chora lágrimas em vão, será que precisava disso mesmo?
2015, mais uma garota, parecida com aquela de antes, mais um choro em vão, precisa disso mesmo?
Gosto de andar entre eles, a escola é legal, "festa junina"? bom, isso é puro entretenimento, vazio mas divertido.
andando pela escola, ouvi que haveria um teatro. Gosto de teatros, desde antigamente.

é incrivelmente ruim, mas... Tem algo no palco que me agrada. Uma bela com vestido branco ao lado de meu camarada Maurício, ela é ... Familiar?

aquela bela me tirou o fôlego, não pude exitar , sabia que era ela, o belo e agudo choro.
Mas, como sabia? não sei também, vamos tentar

isso foi incrivelmente ruim, como sempre. Meu corpo não consegue se acostumar com novas pessoas e bom, acabou , por enquanto.

Mal pisquei e passou o ano, talvez esse seja bom.

chegamos em março, saindo da escola como rotina vejo aquela bela novamente. Tenho que falar algo pra chamar atenção, consegui? Talvez

chegando na residencia, chamamos ela e bom, as coisas fluíram.
agora o tempo passa devagar, amo isso.

Aqueles cachos são como correntes que me prendem na sua realidade, seus olhos castanhos são que nem o espaço, mas não um espaço vazio como antes, é um espaço repleto de esbeltos astros estelares.
finalmente pude tocá-la, sua pele é branca a ponto de parecer uma neve, igual a neve daqueles invernos intermináveis, tua boca solta o mais belo dos sons, de todos os sons que já ouvi. Tua voz é um esplendor imensurável, o qual me deleito de paixões.

bom, desculpa, isso foi desnecessário. talvez eu seja, mas gosto disso, pela primeira vez sinto o amanhecer com meu corpo, meu peito já não está mais oco e bom, o corpo agora não é mais um corpo, é meu corpo.

insisti na bela , por muito tempo, talvez nem tanto assim. O tempo agora se tornou palpável, algo impossível antes. Um dia dura 24 horas mesmo, pensei que isso era somente mentira dos humanos.
Faz o que, 1 mês? 2? Eu ando insistindo nela a tempos, mas nada muda.

-eu aceito- foi o que ela disse, mas  será que isso é verdade? meu corpo enfervece com uma mistura de dúvida e uma paixão interminável.

já se passou 11 dias, hoje é 12 de junho , "dia dos namorados" eles dizem. Passei o dia sem espaço para outra coisa, exceto para ela, para ela sempre havia espaço.

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