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Acordei com um sobressalto na cama. Olhei para o relógio sobre o criado-mudo.

Era madrugada ainda.

Fiquei deitada tentando voltar ao sono, no entanto havia uma inquietação no meu peito que não me deixava acalmar. Não consegui mais ficar deitada e resolvi preparar um chá para ver se o sono voltava.

Coloquei o roupão por cima da camisola e desci as escadas. O silêncio de uma cidade pequena era quase mórbida a essa hora da madrugada constatei ao olhar pela janela da sala; meus olhos automaticamente indo em direção a casa em frente.

Suspirei.

Será que eu estava obsecada pela vida alheia?

Tornei-me o que mais temia - a tiazinha curiosa que vigia as casas vizinhas!

Segui para a cozinha e parei a meio passo de entrar no cômodo ao ouvir um sussurro baixo.

Apurei o ouvido tentando ouvir novamente.

Dessa vez uma respiração pesada e mesmo assim baixa foi ouvida.

Voltei para o hall e peguei dentro do armário de casacos um taco de baseball. Segurei firme e dei passos vacilantes em direção ao som.

Não sai de uma cidade grande para ser subjugada por um ladrãzinho de cidade pequena!

Entrei na cozinha observando ao redor como taco levantado e pronto para ser usado, porém não avistei nada.

Abaixei o taco e dei um passo em direção à porta.

Gritei.

Havia uma pessoa caída entre a geladeira e o balcão, mas ao reparar melhor identifiquei a jaqueta vermelha e me apressei  para perto.

Deixei o taco cair no chão e me agachei ao seu lado.

Ela estava com o rosto machucado, os lábios e o nariz com muito sangue.

Toquei seu ombro e nada, ela estava inconsciente.

Agachei, me aproximando mais dela e senti sua respiração baixa e saindo devagar.

- Ei? Chamei mas nada dela se mexer um milímetro do lugar.

- O que eu faço? O que eu faço? Perguntava-me, pois ela estava mal. Parecia que um caminhão a tinha atropelado.

- Será que chamo a polícia? Falei e senti um aperto fraco em minha mão.

- Não polícia. Não. A loira sussurrou baixinho e fechou os olhos voltando a inconsciência. Eu só ouvi por estar muito próximo a ela.

- Muito bonito hein. Fala para não chamar a polícia e me deixa aqui com você desmaiada. Falei para ninguém em particular já que a loira não estava ouvindo.

- Vamos lá, aquelas aulas de pilates tem que servir para algo. Falei e a levantei nos braços.

Ela era leve, muito leve. O que dava a sensação de mais corpo era o casaco e a calça e a camiseta larga. A escada foi mais complicada, mas consegui chegar ao andar de cima com ela nos braços.

Segui para o quarto de hóspedes e a deitei devagar sobre a cama.

Fui ao banheiro peguei a caixa de primeiros-socorros, separei uma toalha branca e busquei uma bacia pequena na cozinha a qual coloquei água morna.

Ao voltar ao quarto ela estava do mesmo jeito que a deixei.

Comecei a limpar seu rosto para ver a gravidade da situação e se estivesse tão ruim quanto eu imaginava eu a levaria ao hospital para exames.

Enquanto eu passava a toalha pelo rosto dela comecei a ver os hematomas e pelo jeito ela tinha levado uma surra daquelas; o lábio inferior estava cortado e as laterais do rosto estavam vermelhas inchadas assim como um olho roxo, as juntas dos dedos estavam machucadas; a   roupa estava toda desalinhada com a blusa do avesso e a calça desabotoada.

Outra coisa que reparei enquanto a limpava foi que ela era nova. Muito nova, ainda conservava alguns traços infantis.

- O que aconteceu com você criança? Perguntei-me.

Finalizei a “limpeza” e agora dava para ver nitidamente hematomas por todo o rosto dela.

A respiração dela já estava mais calma e agora me parecia que estava dormindo e não desmaiada.

Sentei na poltrona ao lado da cama e não me lembro de mais nada. Dormi.

Acordei ao ouvir um gemido dolorido. Olhei para a cama e ela estava sentada segurando as costelas.

- Ei, assim você só fará a dor ser mais forte. Falei e ela me olhou assustada num primeiro momento.

- Eu vou dar o fora daqui. Falou se levantando com muita dificuldade e dando um passo trôpego.

- Oooooch. Que dor do caralho! Ela falou trincando os dentes e quase caindo para a frente. Correi e a segurei antes que realmente fosse de cara ao chão.

- Me larga. Ela disse nervosa e se afastando dos meus braços.

- Você é muito mal educada, sabia? Falei estreitando os olhos.

- E o que você tem a ver com isso? Ela falou me olhando com certa raiva.

- Tudo já que foi na minha cozinha que você apareceu desmaiada. Falei firme e ela arregalou os olhos meio assustada com meu tom de voz.

- Não esquente tia. Eu já to vazando, ok. Falou e novamente deu passos em direção à porta com o rosto numa careta de dor e as mãos nas costelas.

Eu não sei o que meu deu, mas não podia deixa-la ir embora daquele jeito. Era apenas uma criança que pelo jeito vivia nas ruas e eu não me sentia bem pensando nela com dor naquela casa abandonada.

Suspirei.

Dei um passo em sua direção e ela se afastou rápido demais para quem está com dor o que fez ela se atrapalhar e cair.

- PQP! Caralho que dor do inferno! Ela falou e eu vi os olhos cheios de lágrimas, porém ela não derramou nenhuma.

Garota forte. Pensei comigo.

Agachei a seu lado e a levantei e sentei novamente na cama. Ela estava dura enquanto sentia meus braços ao seu redor.

- Primeiramente: não sou sua tia. Falei.

- Segundo: controle esse palavreado chulo. Ela me olhou trincando os dentes - alguém não estava acostumada a receber ordens. Pensei comigo.

- E terceiro: você não vai a lugar nenhum até que esteja melhor dessa surra ou seja lá o que tenha acontecido com você. Falei e ela levantou com dificuldade.

- Você não manda em mim! Ela falou nervosa.

- Eu sei, só quero te ajudar. Falei e ela me olhou sem acreditar.

- Ajuda não cai do céu TIA. Tudo sempre tem um preço. Falou e eu a olhei nos olhos.

Vi aquele ar de raiva, mas por trás havia decepção e dor; ela desviou o olhar e a vi fechar as mãos em punho.

- E eu não preciso de ajuda. Posso bem me virar muito bem sozinha. Falou me olhando de lado  e saiu correndo porta afora; e mesmo com toda a dor que devia estar sentindo, ela desceu as escadas em tempo recorde e logo ouvi a porta da cozinha bater evidenciando sua saída.

The other side of painOnde histórias criam vida. Descubra agora