Bem vindos a Solares

1.4K 181 482
                                    

Selina

A vida é feita de altos e baixos. Podemos compará-la a uma roda gigante. Nós somos os passageiros sentados nas cadeiras, protegidos por uma barra de segurança. A roda começa a girar. É a vida acontecendo. Em algum momento nos deparamos no alto, curtindo visão privilegiada. Então, essa roda gira novamente e desce. Perdemos todo o direito à vista, e é aí que as coisas se complicam.

Atualmente, estou na parte mais baixa desta roda. Para ser mais precisa, sou aquela garota que pedem para descer e dar a vez à outra pessoa. Essa metáfora condiz com a minha situação atual: Selina Monteiro, de atriz com carreira promissora à amante oportunista de diretor de cinema. Tento adivinhar quando foi que essa derrocada na minha vida começou.

Saio do monólogo mental deplorável quando o carro para. Depois de três horas e meia viajando, Ortega finalmente estaciona em frente a uma porteira no fim da estrada de terra adjacente a que viajamos, minutos atrás. Essa estrada é o único caminho para o nosso destino. Leio o nome na placa pendurada no alto: Fazenda Solares.

— Graças aos céus chegamos! – suspiro aliviada.

— Graças aos céus temos GPS! Eu que devia reclamar, Selina. Vim dirigindo do aeroporto até aqui como se estivesse sozinho neste carro. – retruca Ortega, meu agente de cinema e amigo pessoal.

— Desculpe, querido amigo. Eu realmente não fui uma boa companhia nesta viagem... – bajulo-o um pouco, sentindo-me culpada.

E não fui mesmo. Desde que a notícia sobre meu romance secreto com Daniel Wells estourou nos principais tabloides, minha vida virou um desastre. Tornei-me uma pilha de nervos ambulante. Fui perseguida por repórteres e paparazzi querendo tirar proveito da situação. Todos pediam uma exclusiva. Daniel implorou para que eu não falasse com ninguém. Cretino! Descobri, posteriormente, que ele me enganou desde o início. A decisão de vir para o Brasil foi uma fuga de todo esse caos. Segundo Ortega, eu era a "carta" do momento. Não importava o quanto tentasse me defender, os noticiários me condenavam em todas as notícias.

— Não entendo como pôde dormir com uma barulheira dessas enfiada no ouvido! – vejo do retrovisor seu rosto se retorcer numa careta.

— Isso é música para relaxar, Ortega. Devia experimentar! – retiro os fones de ouvido. Taylor Swift toca no volume máximo.

— Meu amor, eu relaxo com uma dose dupla de Martini, não com música alta.

Sorrio da gracinha dita por meu agente. Constato que, pela primeira vez em dias, isso acontece, consigo achar graça em algo. Depois da desilusão, sinto mágoa e ódio de Daniel. Ele agiu como um canalha! O pior é que eu nutri sentimentos verdadeiros por uma pessoa que não teve um pingo de consideração por mim ou por minha carreira. Espero encontrar a paz que tanto preciso para que possa pensar com clareza no futuro e apagar Daniel da minha vida.

Após duas buzinadas insistentes, alguém vem em nossa direção e abre o portão. Um homem barbudo, com um chapelão, camisa listrada e botas, definitivamente de caubói, acena para nós. Ortega acena de volta agradecendo e segue por uma estrada de cascalho, margeada por palmeiras, até a frente da sede da Solares.

A Solares é uma fazenda típica de interior, localizada numa região de planície onde ainda se preserva a mata nativa do Brasil. A proprietária, tia Carmem, é a irmã mais velha da minha mãe, Vera. Quando eu era pequena, e ainda morávamos neste país, passávamos aqui as férias de verão. Tenho lembranças maravilhosas de brincar na cachoeira, andar a cavalo e comer fruta direto das árvores. Nessa época, meus pais ainda eram casados, nós éramos uma família normal e eu nem cogitava ser atriz.

Paramos em frente à escada da entrada. A casa da sede continua igual ao que me recordo, só que um pouco mais velha. A construção de tijolos possui dois andares e varanda na frente. Ao redor da casa um jardim de flores, tão lindo como me lembro, faz o contraste co m o branco da casa e o verde da grama. Ainda do carro avisto tia Carmem parada na varanda com um semblante alegre. Ao contrário da casa, ela não parece ter envelhecido nem um ano e vem nos receber assim que estacionamos.

Estrela Imperfeita  DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora