Pedindo um autógrafo

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Selina

Desperto na manhã seguinte com os sons peculiares da fazenda. O galo canta e o som agudo chega até mim como se o animal estivesse dentro do quarto. Tateio à procura do celular em cima do criado mudo. Checo na tela, mal abrindo os olhos. Cinco e quinze da manhã! Quem em sã consciência acorda naquele horário? Jogo o travesseiro por cima da cabeça, tentando isolar o som exterior.

Um eco ao longe chama a minha atenção. Tento discernir o som. Logo percebo se tratar do mugir de uma vaca. Uma vaca? Mais outro mugido e, de repente, caio de paraquedas na cama.

Mas que droga! Abro os olhos e reexamino o celular: sete e quarenta e quatro. Nunca fui um ser matinal e, se eu não conhecesse a vida numa fazenda, desistiria imediatamente de passar uma temporada ali.

Depois de não conseguir voltar a dormir, decido me levantar. Coloco um vestido floral simples para o dia e calço botas confortáveis. Desço para o café da manhã e descubro que sou a última a se levantar. Ortega já está de pé tomando sua xícara de café na cozinha, elogiando a comida que exala um cheiro maravilhoso.

- Dona Carmem, desse jeito eu não irei embora. A senhora me deixará mal acostumado com uma comida deliciosa dessas. - ele diz sem cerimônia, com a boca cheia de bolo.

- Fico feliz que tenha gostado. Nossa cozinheira oficial é Isaura. É a ela que deve agradecer.

Tia Carmem dá o crédito para a mulher que está de pé ao fogão. Isaura lembra a tia Anastácia das histórias de Monteiro Lobato. Ela é morena, sorridente e usa uma touca na cabeça. Ainda cozinhando bem, as semelhanças são mais marcantes.

- Isaura, meu bem, por favor, continue cozinhando assim e eu irei levá-la embora comigo. - brinca.

- Ah seu Ortega, o que é isso! Fico agradecida, mas meu lugar é aqui mesmo.

Entro na cozinha. A conversa me encheu de fome.

- Olha quem acordou! Bom dia, querida. - Carmem é a primeira a me notar. - Como se sente? Teve uma boa noite de descanso?

- Sim, obrigada por perguntar. – sento diante da mesa farta. - Bom dia, Isaura, Ortega.

Ela me cumprimenta com um bom dia também, e Ortega se desculpa por ter descido direto para seu café da manhã. Alega que estava morto de fome, mas que iria ao meu quarto logo em seguida.

- Aposto que Selina também está com fome, depois de pular a refeição ontem à noite. – Carmem me incentiva a comer, servindo o café na minha xícara.

Na verdade, ontem eu não tive vontade de descer. Passei um tempo na banheira remoendo minha história com Daniel. Tentei entender quando foi que começou a minha descida na tal roda gigante da vida: o momento em que me deixei iludir por ele. Cheguei à conclusão de que não me importava. Prometi apagá-lo da memória e riscar sua existência da minha vida.

Volto a atenção à mesa do café da manhã. A conversa sobre comida continua. Acompanho o falatório degustando um pouco de cada coisa: frutas, suco, pão caseiro, queijo, ovos mexidos, cuscuz de milho e, claro, bolo de fubá. Só agora percebo o quanto senti saudades dessa comida que só encontramos no nosso país. Mesmo tendo um chef particular que prepara pratos brasileiros, não é a mesma coisa que a comida com ingredientes nacionais. Além do mais, Ortega tem razão, Isaura cozinha divinamente bem.

***

O jardim é um lugar belíssimo, com plantas de todos os portes e uma grama bem aparada e muito verde. Caminhamos por toda sua extensão admirando as plantas e flores belíssimas. Tia Carmem fez um bom trabalho, aqui.

Estrela Imperfeita  DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora