Confissões da recém-chegada

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Selina


Nossa bagagem é trazida para o quarto por Pedro e Hugo, pai e filho respectivamente, e funcionários da Solares. No total, três malas são colocadas na beira da minha nova cama. Ortega foi para seu quarto alegando exaustão. Informou que iria se ajeitar e descansar da longa viagem, mas que voltaria mais tarde. Tia Carmem me mostra as funcionalidades do quarto e como usar a banheira dali. Sim, eu tenho uma banheira e meu agente amou esse detalhe.
Observo minha tia explicar sobre as torneiras de água quente e fria. Depois, volto e sento na beira da cama inspirando o aroma do ambiente. O quarto cheira a roupa lavada e limpeza, o mesmo cheiro de quando eu era pequena. Dentre tantos outros lugares, Solares foi escolhida. É estranho estar ali tantos anos depois, mesmo com a vinda repentina, mas estranhamente me sinto bem.
Tia Carmem passa do banheiro para o quarto e pega toalhas limpas no guarda-roupa. Analiso seus traços. Apesar de ser mais velha, beirando cinquenta e poucos anos, tia Carmem se parece com a minha mãe: estatura baixa, olhos castanhos claros, corpo volumoso, porém, curvilíneo. A única diferença é que ela assumiu os cabelos brancos, enquanto dona Vera continua tingindo o seu.
- Então, Selina, me conta sobre sua vida fora do país. Como é ser famosa? - ela puxa um conversa casual, voltando para o cômodo menor com as toalhas na mão.
- Bem, minha vida é uma correria, não sei nem por onde começar. - digo relembrando as centenas de vezes em que fui perguntada sobre o assunto. Pela primeira vez, não preciso dar uma resposta ensaiada. - Não existe tanto glamour quanto todos imaginam vendo de fora. Na verdade, eu trabalho muito nas gravações e não tenho hora para nada.
- Mas deve ter uma parte boa em tudo isso, né? - Tia Carmem pergunta enfiando a cabeça pela porta do banheiro, interessada na nossa conversa. Eu só queria descansar um pouco.
- Sim, o carinho dos fãs. Tem também os patrocinadores e as viagens. O estúdio manteve foco na divulgação do ultimo filme que gravamos. Teríamos uma série de viagens pela Europa, mas minha participação foi cancelada e aqui estou. - Relembro da minha agenda de viagens nos próximos dias, e que o estúdio suspendeu após o escândalo entre Daniel e eu. O pior que ele também viajaria, mas, como eu, foi dispensado. Pensando melhor, bem feito para aquele desgraçado, também!
Pronto. A lembrança de Daniel e do acontecido estão de volta. Tentei não pensar em todo caos que deixei para trás, prometendo a mim mesma que superaria os sentimentos ruins. Obviamente é cedo demais para ignorar algo tão recente.

 Obviamente é cedo demais para ignorar algo tão recente

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- Selina, - tia Carmem sai do banheiro. - eu sei de tudo que aconteceu. Acompanho as notícias que saem sobre você. Assinei uma bendita TV a cabo para isso. - ela confessa rindo e eu me comovo com a sua sinceridade.
Até me bate um arrependimento de não ter ligado mais vezes. As poucas vezes que falei com a minha tia foram pelo celular da minha mãe. Sempre conversas rápidas, resumidas a um "oi", "como está" e "obrigada por ligar".
Não sei se é por causa do cansaço que sinto ou a necessidade de falar, mas despejo tudo para ela. Conto sobre Daniel. Que o conheci nas gravações do meu último filme, e que me apaixonei por ele. Daniel, com seus 32 anos, bem sucedido, lindo e muito sedutor, era diretor de gravação. Explico que começamos a namorar secretamente, por causa do recente fim do seu casamento. Daniel ainda não havia assinado os papéis do divórcio e não queria me expor. Aguardávamos o fim do processo de separação para assumirmos publicamente o relacionamento. Eu, apaixonada, concordei com ele.
Fico sem graça em revelar à minha tia que fomos flagrados dentro do carro, mas ela devia saber do fato, dadas as fotos íntimas publicadas e que todos tiveram acesso. Ela deve ter percebido a minha vergonha, também, porque não forçou mais o assunto. Termino a história contando sobre o pedido de Daniel para eu me afastar um tempo enquanto ele tentava abafar o escândalo. Foi aí que tive a ideia de vir para o Brasil e passar uns dias na Solares.
Por fim, tia Carmem vem até mim, me abraça e me enche de palavras doces e consoladoras. Percebo que ela é uma pessoa dada a demonstrações de afeto e que me sinto bem com isso. Minha tia tem um jeito calmo e doce. Com ela é fácil conversar, diferente da minha mãe, que nem sabia sobre Daniel e eu e, quando descobriu nosso caso através da mídia, teve um ataque de fúria. Eu contei a ela a mesma história que contei para tia Carmem, mas minha mãe não admitiu meu erro. Alegou que a culpa era só minha por ser inconsequente e ingênua.
O tempo passa assim, no silêncio do quarto e ao redor dele. Lágrimas embaçam a parede do quarto na qual fixo o olhar. Tia Carmem afaga minhas costas com carinho, sabendo exatamente o que eu preciso.
Não que eu seja ignorante ao ponto de não saber minha parcela de culpa nessa história. Sei que errei e pago o preço por isso. Um preço que custou minha liberdade e pode, até, custar a minha carreira.

***

Algum tempo depois, relaxo na banheira esmaltada e de pés boleados

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Algum tempo depois, relaxo na banheira esmaltada e de pés boleados. A água quente é um bálsamo para meu corpo cansado. Tia Carmem já foi, mas antes preparou um banho de sais que alegou fazer milagres. Disse que eu me sentiria melhor depois dele. Tinha razão, já me sinto melhor do que antes. Permaneço ali por tanto tempo que, quando saio, meus dedos estão enrugados e a água, fria.
Envolta num roupão, busco o celular na bolsa e ligo o aparelho aguardando sinal. Nada. Levanto-o em busca de um pontinho sequer, mas a tela não muda. Minha última tentativa termina comigo debruçada na janela, rezando por uma intervenção divina.
Desisto de me conectar com o mundo lá fora e desabo na cama. Não darei jeito em nada hoje, mesmo. Noto que já escureceu e Ortega não apareceu. Coitado, deve ter desmaiado de cansaço. Ainda é cedo para dormir, mas o meu corpo derrotado é fisgado pelo colchão macio da cama. Começo a sentir sonolência e as consequências das noites turbulentas. Não luto contra. Navegar na terra dos sonhos com certeza é um bom meio de esquecer os problemas.

Parece que Selina ainda está confusa e magoada com tudo o que passou. Daniel é um crápula mesmo. Acho que amanhã a celebridade vai melhorar e se encantar pela Solares. Mas, afinal, onde está o Claus?

O próximo capítulo é narrado por ele e nós vamos descobrir o que o troglodita acha de ter como hospedes a prima famosa que ele não vê a tanto tempo e seu agente, um tanto excêntrico. Para quem não me segue ainda meu Instagram é o @jmdantas_autora. Me procura lá! Até o próximo capítulo!

Estrela Imperfeita  DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora