Mais forte que o mundo

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Selina

- Sério, eu tô odiando isso aqui! - praguejo baixinho para ninguém, já que nesse momento estou sozinha, marchando para o celeiro e tentando um sinal de celular.

Não que estivesse odiando a Solares, não foi isso que quis expressar. O problema é que na era digital ninguém vive sem internet. Com o passar das horas, tornei-me um poço de ansiedade sem notícias do mundo exterior e sobre o que falavam do escândalo.

Segundo Ortega relatou, uma empresa de marketing competente está empenhada em contornar a situação. Meu agente pediu que eu fosse paciente, que eles são bastantes discretos e muito bem instruídos para cuidar do assunto. E é aí que chegamos na questão: eu não consigo ter essa paciência toda!

Ortega se comunicou com o mundo lá fora através do celeiro. Decidi testar, também, a eficácia do local. Aproveitei enquanto meu agente foi tomar banho e vim para cá. Não quis dizer a ele a verdade, que viria em busca de internet. Ortega tentaria me convencer adesistir e, caso não conseguisse com palavras, ele usaria a força, mesmo. Ele já fez isso outras vezes.

O trajeto da casa até o meu destino é uma caminhada rápida. Voltar ali me traz recordações incríveis, esquecidas com o tempo. O celeiro era proibido para mim na infância e povoava minha imaginação, uma vez que eu era pequena e essa era uma enorme construção. Eu criava várias teorias sobre a existência de algo espantoso dentro daquele galpão de madeira para justificar a negativa de tia Carmem de me deixar explorá-lo. Essas teorias malucas iam desde um criadouro de jacarés até um esconderijo de tanques militares. Pasmem, já naquela época minha criatividade não tinha limites.

Testo a porta para descobrir que ela está apenas encostada. Um cheiro forte de umidade e madeira misturados impregna meu nariz. Adentro o celeiro, a pouca luz proveniente das janelas mais altas me ajudam a enxergar onde piso. Observo vários objetos dispostos em prateleiras nas paredes, ferramentas que eu não imagino para que sirvam. De um lado há uma máquina guardada, coberta por uma lona empoeirada. Há muita madeira empilhada, algumas cortadas em formas específicas. Não ouso tocar em nada.

No fundo do celeiro, avisto uma escada de ferro em formato de caracol. Com cuidado, ando até lá e subo os degraus. O espaço do segundo andar é aberto. Contorço-me para driblar as teias de aranha enormes que estão por todo lado. Localizo a tal claraboia no telhado que fornece a maior quantidade de luz para dentro.

Pego o celular do bolso e checo o sinal. Nada ainda. Permaneço com os olhos colados na tela esperando qualquer conexão.

Selina Monteiro, a que ponto você chegou? Não tenho escolha e avanço dois passos. A visão de cima é melhor. A luz incide no chão empoeirado de madeira, clareando meu caminho. Também há muitas caixas guardadas. Tento ignorar outros possíveis animais além de aranhas, escondidos ali.

De repente, o celular apita. Apita novamente, e uma sucessão de sons de notificações toca ao mesmo tempo. Comunicação com o mundo exterior, que maravilha! Minha agenda online informa que perdi sete compromissos nesses últimos dias. Meus dedos ágeis tocam a tela do celular deslizando centenas de mensagens, nenhuma do Daniel, graças a Deus. Há recados de muitas pessoas. Alguns perguntam do meu sumiço. Gerald informa que estuda uma ação contra o site que divulgou as fotos. Minha mãe ganha em disparado, com dezoito notificações, mas essas não quero ler agora.

Outras mensagens desconheço os remetentes. Não correspondo os nomes comrostos conhecidos. Só que uma delas me chama a atenção. Susan, editora da revista Star Magazine, anexou um documento ao seu texto e pede que eu abra e me sinta àvontade para respondê-la.

Clico no link e sou direcionada para a página datada de hoje, às sete e quinze da manhã, horário da Califórnia. A primeira foto da matéria carrega e me choca de imediato: Daniel sorrindo, parado atrás de uma mulher que aparenta ter a sua idade. Ela também parece muito feliz e é bem bonita. A mulher tem características parecidas às minhas: loira, cabelos ondulados, só que os dela são mais curtos que o meu. Seus olhos são verdes ou azuis, enquanto tenho olhos castanhos claros e ela é mais corpulenta do que eu. Ele a abraça por trás e suas mãos estão unidas no ventre da mulher. O título do texto diz: "Mais forte que o mundo".

Estrela Imperfeita  DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora