O que sinto não é traduzível.
Eu me expresso melhor pelo silêncio.Clarice Lispector
Sehun pousou na varanda não sabendo o que esperar, será que a pantera teve êxito? Será que não? Como estaria sua humana hoje...? Não devia pensar assim, afinal ela não era dele nem nunca seria... Ele era apenas uma gárgula amaldiçoada e nada mais.
Tudo estava escuro então imaginou se ela dormia ou teria finalmente saído...
A porta se abriu e ele quase recuou assustado.
Ela acendeu a luz de fora e o encarou. Seu coração disparou em batidas frenéticas e desordenadas. Nunca imaginou vê-la frente a frente. Nunca imaginou ter aquele olhar suave diretamente nos seus ou o efeito devastador que tinha em sua pele.
Jamais sequer cogitou a hipótese de ela saber sobre ele... Namjoon...
— Sehun?
A pergunta saiu soprada e ele só pode assentir, sentindo-se perdido e um pouco desesperado, ao mesmo tempo em que se enfeitiçava imediatamente pele sorriso singelo que ela se abria ali, diante dele naquele segundo que poderia se transformar em horas se tivesse o poder de escolha. Se pudesse escolher, ele teria aquele sorriso para sempre gravado em seu peito de pedra.
Ela assentiu como se tivesse chegado a alguma conclusão que lhe era absolutamente desconhecida e veio para ele, ergueu a mão e tocou cuidadosamente seu rosto. Sehun fechou os olhos e caiu prostrado, de joelhos diante dela.
Ele tinha medo de ser um sonho ou alguma alucinação, ele temia abrir os olhos e ter que encarar a noite e a solidão mais uma vez, aquele toque era tudo em sua existência agora e poderia apenas desvanecer em sua mente confusa.
Não queria despertar, mas a voz dela o chamou:
— Venha Sehun, entre, vamos conversar, sim? Não precisa ficar mais apenas na varanda, lá dentro tem espaço para uma boa gárgula que tem trazido flores para mim a tantos dias. Seja essa noite minha margarida e eu serei o seu sol já que não pode vê-lo livre de sua pele impenetrável.
Ele a encarou chocado e em transe, ela tocou sua face com ambas as mãos.
— Você, meu amigo secreto, é quem merece flores. Entre.
Anne esperou que ele entrasse dentro de casa e só então entrou também.
Ainda se sentia um pouco aérea depois de tudo que o sombrio havia lhe contado, que ele foi chamado de outro continente para cuidar dela por que uma gárgula, aquela estátua que ela achava tão cuidadosamente esculpida e aquele a que ninguém dava um segundo olhar dentro da capela antiga e pouco frequentada, aquela estátua na verdade era um protetor misterioso que estava lhe protegendo das sombras e cuidando para que ela não se entregasse de vez a morte.
Antigas palavras de Dae lhe vieram à mente naquela tarde enquanto conversava com Namjoon e ele lhe contava sobre suas andanças pelo mundo e em como foi chamado por Sehun para cuidar dela durante o dia, Dae lhe dizia que ela era uma boa pessoa que espalhava amor e assim receberia amor também de onde menos esperava por que a natureza funcionava como um círculo perfeito em sua complexa e ao mesmo tempo singela justiça.
Anne respeitava as crenças e opiniões de Dae, mas nunca imaginou que aquilo aconteceria. Uma gárgula se preocupava com ela, gárgulas eram seres muito poderosos que cuidam da área que lhes era destinada e de todos que viviam nela e que ao mesmo tempo estavam aprisionados sem poder partir do lugar. Era seu destino e fado, criaturas feitas para proteger a humanidade dos terrores noturnos. Mas quem cuidava deles?
Essa sempre foi sua pergunta jamais respondida, Dae não sabia e assim nunca pode sanar essa sua indagação. Por que eles precisavam ser amaldiçoados?
Quanta solidão ele deveria ter sofrido agora que aquela capela era quase abandonada no lado escuro da montanha? Ela mesma só conheceu a pequena igrejinha por causa de Dae...
Devia a menos hospitalidade aquele ser adorável, não era? Ele lhe tinha presenteado com flores por semanas... Ele tinha cuidado dela das sombras e nada que fizesse seria suficiente para pagar aquela dívida. Suas flores iluminaram um pequeno espaço de sua alma. Agora ela desejava poder ser uma flor para iluminar a alma dele também.
A sombra silenciosa em sua varanda... Ela poderia ser seu sol?
Ela não merecia todo aquele zelo, mas queria recompensá-lo e sabia bem o que fazer, precisava descobrir seu nome verdadeiro e libertá-lo de seu corpo de pedra diurno. Ela querida lhe dar a opção de sair pelo mundo e descobri-lo, vivê-lo, assim como a pantera fazia. A questão era, como faria aquilo?
Ele entrou um pouco sem jeito e ela sorriu.
Observou ele ir até Namjoon agora vestido em uma das roupas de Dae e trocarem um longo olhar, ela foi para a cozinha e deixou que os dois conversassem, talvez ele não quisesse ser descoberto, mas não era o que seu coração falava, o que seu coração lhe dizia era que ele desejava ter alguém que lhe fizesse companhia, assim como ela, pois a solidão era triste, silenciosa, corrosiva e depois dessa tarde seus desejos mudaram, desistir da vida seria uma traição ao Dae e a tudo o que ele significou em sua existência, mas tentar segui-la ajudando seu protetor noturno, seria algo que daria orgulho a seu falecido marido e ela faria aquilo, por Dae e por si mesma e como um agradecimento por todas as flores que passaram a dar cor em sua vida sombria. Flores de sua gárgula.
Ela o libertaria, nem que fosse a última coisa que fizesse em sua vida.
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Sussurre meu nome
FantasiaEle queria ser seu anjo, mesmo que fosse só uma sombra em sua varanda e nada além de uma antiga gárgula cujo sol, aquela estrela inclemente, limitava em ações e tempo. Sehun, só desejava vê-la sorrir novamente.