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–Esta semana encontrei-me com George Thompson no clube de golfe– o meu diz de repente durante o almoço –Ele perguntou-me por ti, Amora. Soube que não estás a trabalhar, e perguntou se por acaso não estavas interessada em trabalhar para ele.

–A sério?– respondo tentando esconder o desconforto que este tema de conversa me provoca.

–Sim, e agora que já não tens de provar a ninguém que consegues o que queres sem precisar da influência da tua família, acho que podias aceitar.

–Isso era excelente, não achas querida?– a minha mãe diz sorrindo para mim.

Agora sai desta, Amora!, digo para mim mesma.

Apesar de ter a certeza que foi o meu pai que pediu o emprego ao tal George Thompson, e não ele que ofereceu, eu prefiro ignorar esse pequeno detalhe e fingir que acredito na feliz coincidência do encontro deles, pois sei que ele só quer o melhor para mim.

E talvez esta seja finalmente a hora de eu contar aos meus pais que eu nunca mais quero voltar a ser advogada.

–Eu não sei... – respondo ainda à procura das palavras certas para lhes explicar o que sinto.

–Como não sabes?– o meu pai interrompe-me parecendo irritado –Tens noção de quantas pessoas davam a vida para poderem ter um lugar na empresa de advocacia dele? E tu tens essa oportunidade e decides deitá-la fora? Lá porque nós somos ricos e tu te possas dar ao luxo de não trabalhar, isso não quer dizer que vás passar os dias em casa sem fazer nada!

As palavras do meu pai magoam mais do que murros no estômago. Ele, que conseguiu elevar o negócio que o pai dele criou a outro nível, não consegue aceitar que um filho dele é um falhado. Mas no fundo, ele tem razão: eu estou nesta situação porque tenho tudo o que preciso, porque se eu tivesse que trabalhar para conseguir criar o meu filho, eu não me poderia dar ao luxo de passar os dias em casa a deprimir.

–Eu não pretendo voltar a exercer advocacia de novo– decido dizer duma vez.

–Como!?– os meus pais perguntam ao mesmo tempo, se bem que as suas expressões denotam sentimentos diferentes. A minha mãe mostra-se preocupada, por outro lado o meu pai não esconde a desilusão.

–Vocês ouviram bem, eu já não quero mais ser advogada. Depois da morte de James, quando eu voltei a trabalhar já não me sentia bem com o que fazia. Na verdade, eu odiava ter que analisar casos, preparar a defesa. Tudo isso deixou de ser desafiante para mim, e passou a ser um fardo. Chegar a casa ao fim do dia era um alívio enorme, mas só até me lembrar que estava sozinha– eu explico –Eu acho que o meu trabalho me lembrava do tempo em que James ainda estava comigo, e tal como todas as outras coisas que nós fazíamos juntos, ficou insuportável fazê-lo depois da morte dele– acrescento baixinho.

Os meus pais parecem chocados com o que acabo de falar. Talvez porque só consegui falar-lhes do que sentia dois anos depois. A minha mãe começa a desculpar-se por me pressionar a voltar a trabalhar mas que não sabia que eu me sentia deste jeito. Ela só fica mais calma quando eu lhe asseguro que está tudo bem, que era eu que devia ter falado com eles há mais tempo.

–Tudo bem senão quiseres voltar a ser advogada– o meu pai diz por fim depois de um longo silêncio –Mas acho que deves procurar outra coisa que gostes. Podes trabalhar lá na empresa, existem alguns postos de trabalho que não exigem nenhum curso específico– o meu pai sugere.

Suspiro aliviada com a sua compreensão. Ele sempre foi muito exigente comigo e com o meu irmão, não que ele não seja um pai carinhoso. Mas ele sempre quis o melhor para nós e o melhor de nós.

–Eu vou pensar sobre isso.

–Amora, tu não podes passar o resto da vida fechada em casa a lamentares-te pelo que aconteceu. Algum dia vais ter de seguir com a tua vida. Voltar a trabalhar vai ajudar-te, teres uma rotina, conheceres outras pessoas. Portanto tu não vais pensar sobre o assunto. Tu vais aceitar o emprego que o George te ofereceu, vais trabalhar na empresa ou noutro sítio qualquer. Mas tu vais começar a trabalhar.

–Eu vou procuraR um emprego, ok? Só não me pressionem– digo começando a ficar irritada.

–Se há coisa que nós não temos feito é pressionar-te. Já se passaram dois anos e tu continuas a fazer o que queres. Já chega, já está mais do que na hora de recomeçares a tua vida.

Não respondo. Eu sei que o meu pai tem razão, mas se ao menos ele tivesse noção do quanto eu me sinto sufocada. E a palavra que ele usa, recomeçar, fica a martelar na minha cabeça. Não é que eu não queira, mas não é tão fácil quanto ele faz querer parecer. É por isso que em dois anos eu continuo tão perdida, ou até mais, quanto fiquei quando descobri que James morreu.

Mais tarde, sento-me em frente ao computador determinada a encontrar um novo emprego. Como não sei bem por onde começar, tento ver para o que é que a minha licenciatura de direito me permite fazer para além de advocacia, mas os resultados não são lá muito animadores. 

Acabo por entrar nalguns sites sobre futuro profissional para jovens que acabaram agora o liceu e não sabem o que fazer. E fico frustrada quando penso que nem quando eu estava para me candidatar à universidade eu precisei de fazer testes para ver o que gostava, e agora aqui estou com quase trinta ano a tentar descobrir o que é que eu gosto e quero fazer.

Após várias horas de pesquisa, suspiro frustrada e desligo o computador. Nada me parece interessante, o que me leva a pensar que provavelmente não vou encontrar um emprego que eu realmente goste, a maioria da população não trabalha em algo que gosta, é algo perfeitamente normal.

Seria bom trabalhar nalguma coisa que eu gosto, mas talvez por agora eu me devesse contentar com um emprego qualquer até decidir por algo melhor. Aceitar a proposta do amigo do meu pai está totalmente fora de questão, mas talvez possa trabalhar na empresa do meu pai no departamento jurídico ou como secretária.

Só de pensar já parece aborrecido, mas não é como se eu tivesse escolha. Lembro-me das palavras do meu pai, ele tem toda a razão. Já é hora de eu fazer alguma coisa por mim.


(Sobre)Viver Sem TiOnde histórias criam vida. Descubra agora