| o n z e |

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Devem-se perguntar como é possível viver desta maneira. Sem qualquer perspectiva, sem sequer uma gota de esperança. A verdade é que há muito que eu não vivo. Apenas sobrevivo. E faço-o pelo meu filho. Porque tirando isso tudo é insuportável para mim. É insuportável sentir-me inútil, sem nada para fazer para além de cuidar dele. É insuportável sentir os olhares de pena. É insuportável saber que provoco tanto sofrimento e preocupação a todos os que me amam. É insuportável a falta que eu sinto dele. 

Existem dias maus e dias razoáveis, mas a única certeza que eu tenho é que hoje é definitivamente um dia mau. Os meus pais levaram João para passear, enquanto eu deambulo pela casa sem saber o que fazer. Hoje é um daqueles dias em que eu me sinto assustadoramente sozinha. 

A saudade sempre foi algo presente porque James passava semanas longe de mim em missões, mas a diferença era que eu esperava que ele voltasse para mim, mesmo com medo que algo corresse mal, eu sempre tinha esperança que ele ia voltar são e salvo para mim. Havia o sonho de uma vida feliz em conjunto. Haviam todos os planos que nós traçávamos. Agora há apenas um enorme nada.


Há quatro anos atrás...

«–Cheguei! eu digo ao entrar em casa depois de um esgotante dia de trabalho.

Não são todos os dias que eu me posso gabar de ter o meu marido à espera em casa, portanto mesmo com todos os problemas que tive hoje no trabalho, eu estou feliz.

–Olá, meu amor– James diz aproximando-se para me beijar–Como foi o trabalho hoje?– ele pergunta enquanto nos sentamos no sofá. 

São coisas simples como o seu beijo, esta pergunta e o facto de estarmos os dois abraçadinhos no sofá, que me deixam feliz. Por um lado, eu gostava que pudesse ser assim todos os dias, mas por outro, sei que acabaríamos por cair na rotina e não seria mais tão especial.

–Stressante– eu respondo soltando um longo suspiro quando James começa a fazer uma massagem nos meus ombros –E o dia com o teu pai, como é que correu? 

–Amora, eu... –James parece hesitante, o que me faz olhar para ele –Eu não tenho boas notícias...–ele solta por fim tirando as suas mãos dos meus ombros e desviando o seu olhar do meu.

–O que é que se passou?– eu pergunto sentando-se direita de frente para ele.

–Eu recebi uma carta. E tenho de me apresentar no quartel em dois dias.

–Mas está tudo bem?– eu pergunto preocupada.

–Sim, mas eu vou de novo para missão.

–Outra vez? Mas tu voltaste tem poucos dias! Não ias ter umas semanas de folga?– pergunto sentindo o meu coração bater cada vez mais rápido no meu peito.

–Sim, supostamente eu tinha umas semanas de folga. Mas ao que parece é uma emergência. Eu também não sei muitos detalhes, só vou saber quando me apresentar. A única coisa que sei é que o tempo previsto para a missão é de um ano.

–Um ano!?

Ele nunca esteve tanto tempo fora antes. Até agora eu me considerei uma sortuda por ele voltar sempre relativamente rápido. Mas um ano? Seis meses já pareceram uma eternidade para mim! 

–Eu vou morrer de saudades tuas!– eu digo enquanto o abraço. Apesar de estar devastada com a notícia, é o trabalho dele, e eu vou apoiá-lo sempre.

–Não mais do que eu, meu amor– ele sussurra no meu ouvido enquanto faz carinho nos meus cabelos.

...

 Já lá vão dez meses desde que James partiu para a mais longa missão dele. Nos primeiros meses, apesar da saudade, eu estava bem. Afinal, já me tinha habituado a passar meses sem ele. A questão é que nunca foi tanto tempo como agora. E a saudade começou a apertar cada vez mais. Até ficar quase insuportável junto com a ansiedade e o medo dele não voltar.

Como senão bastasse, um importantíssimo julgamento aproxima-se. Trabalhei nele dia e noite durante as últimas semanas, mas não me parece ser suficiente. E o medo de falhar começa a corroer-me por dentro.

E com isto o meu humor tem estado uma bela merda. Perco a paciência com facilidade, irrito-me até com a respiração das pessoas, os ataque de pânico são recorrentes e chorar tornou-se quase uma rotina.

Já mais ninguém me suporta. Acho que nem eu me suporto a mim mesma.

Depois de mais um dia de trabalho, chego a casa disposta a passar mais um serão a preparar o julgamento. No entanto, ao abrir a porto oiço uma música calma que vem de dentro do meu apartamento.

Assustada, deixo as minhas coisas no chão e agarro o candeeiro que decora o hall de entrada, antes de realmente entrar dentro de casa. Respiro fundo e tento manter a calma, tentando recordar-me dos truques de defesa que James me ensinou.

Mas ao entrar na sala o cenário com que me deparo é bem diferente do que eu estava à espera.

A mesa de jantar está posta, com um arranjo de flores a decorá-la no meio. Várias velas estão espalhadas por tudo quanto é canto, pétalas de rosas vermelhas estão espalhadas pelo chão e um cheirinho divinal que faz uma estômago contorcer-se de fome sai da minha cozinha. 

E por fim, a melhor vista de todas, é o homem que está à minha frente, encarando-me com o olhar mais apaixonado do mundo, à espera da minha reação, que não tarda a chegar.

No segundo seguinte o candeeiro está no chão e eu corro na sua direção, saltando para o seu colo e entrelaçando as minhas pernas em redor da sua cintura. Agarrando-o contra mim o mais forte que posso, para garantir que ele está bem aqui e não vai para lugar nenhum tão cedo.»

James sempre voltava para mim. Demorasse uma semana, um mês ou um ano, mas ele sempre voltava para mim. Com os seus traumas, as suas cicatrizes, as suas fraquezas, os seus defeitos, mas ele voltava para mim. Até ao dia que não voltou mais...

(Sobre)Viver Sem TiOnde histórias criam vida. Descubra agora