Barbarie

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Aquilo era o maior absurdo que já havia visto. Servir como sacrifício de bom grado? Aquelas bruxas só podiam ser loucas.

Pior que isso era ter que comer a carne de Prudence. Nem de jeito nenhum! E teria que mimá-la, ainda por cima! Era um ultraje.

Alheios ao enfrentamento de Sabrina e Zelda, Ambrosie e Raphaelle estavam deitados no sofá da sala de estar, conversando com Hilda, que estava tensa feito uma vara, já que a menina havia visto as tripas penduradas na porta, mas parecia não se importar muito.

-Ah, querida... Não achou nada estranho hoje?

Claro que ela não ia se aguentar, e Ambrosie caiu na gargalhada, antes de beijar o rosto da namorada.

-Esqueci de falar, tia Hilda... Raphaelle sabe tudo sobre nós. Ela é uma médium clarividente.

-Uma mortal que consegue ver o mundo sobrenatural? Isso é o máximo! Está vendo, Ambrosie. Lucifer sabe aquilo que faz! Amaldiçoado seja! Se não estivesse preso em casa nunca teria conhecido Raphaelle.

-Você está em prisão domiciliar?-A bruxa arregalou os olhos. Até mesmo Zelda e Sabrina pararam de discutir para ouvir a conversa, e a ruiva estava horrorizada.-Bruxo danado! O que foi que você aprontou?

-Tentei colocar fogo no Vaticano...

-E porque disistiu no meio do caminho? É uma ideia brilhante! Eu daria todo o apoio.

-Você é uma anjiologista! Não devia me apoiar nesse tipo de coisa.

-Não seja bobo, Ambrosie. É exatamente por saber tanto sobre o outro lado que apoiaria aquele lugar queimar até se tornar cinzas. Aquilo é um ultraje.

Hilda continuava de olhos arregalados para sua "nora". E as outras duas bruxas na casa estavam no mesmo estado. Sabrina deu um grito animado e foi se sentar ao lado da tia Hilda, sorrindo para o casal.

-Raphaelle! Já que você estuda anjos, estudou sobre o Senhor das Trevas, não é?

-É claro, Sabrina. Por que?

-O que pode me dizer dele?

-Que é perfeitamente compreensível ele ter seguidores humanos... Especialmente as Mulheres. Lucifer era um liberal, e era um amante do ser feminino. Ele sempre pregou pela liberdade absoluta, embora a barbárie nunca tenha sido seu desejo...

-Sacrifício e canibalismo injustificados podem ser encaixados como barbárie?

Os olhos azuis se arregalaram e Ambrosie sentiu uma indignação sem tamanho na namorada. Mas também viu uma tristeza inexplicável.

-Isso é barbárie absoluta.

-E ele apoiaria uma coisa assim? Suas mulheres ferindo outras mulheres?

-Não. Ele abominaria. Que ideia estúpida, Sabrina. Quem faria algo assim?

-O coven da Igreja da Noite.

-Como se você tivesse alguma propriedade sobre o que fala.

Zelda era sensível demais naquilo que tocava sua fé no Senhor das Trevas. Ambrosie viu sua namorada ajeitar a postura e erguer a sobrancelha castanha, abrindo um sorriso presunçoso.

-Tenho mais propriedade no que falo do que você jamais adquiriu em quase quatrossentos anos, Zelda Spellman. E que jamais terá se puder viver mais mil, com toda essa ignorância e paixão cega que a grande maioria da bruxas sangue puro tem. São tão ridículas que seguem regras de submissão feitas por homens que o fazem em nome daquele que trocou o paraíso por sua liberdade. Isso não soa imbecil demais, até pra você?

•~🦇~•

Ambrosie ouviu o batedor da porta e aproveitou que estava passando ali para abrir.

Era Prudence, e a bruxa lhe deu um sorriso recheado de segundas intenções, mas ele fez sua melhor cara de desdém.

-Prima? É pra você.

-Estou monopolizando sua namorada, não está vendo?

-Devolve minha garota e vem atender a porta!

O necromante largou a visita na porta mesmo e foi para a biblioteca, atrás da namorada. Deu um olhar pouco simpático a prima e puxou sua castanha para o quarto através de uma passagem secreta.

-O que foi, Ambrosie? Por que está tão infeliz?

-Tem uma bruxa mala que vai ficar hospedada aqui em casa. O que significa que eu não vou poder ver você essa semana...

-Claro que pode. Até onde, no bosque, vai as regras da sua prisão domiciliar?

-Quarenta metros da primeira árvore alta...

Ela abriu um sorriso e fez que ia beijá-lo, apenas para morder a ponta do nariz e correr até a janela.

-Então te encontro lá amanhã.

-Raphaelle!

Uma risada, três saltos habilidosos, e Ambrosie viu sua digníssima correr para a estrada, acenando e gargalhando da própria travessura.

•~🦇~•

Uma gargalhada gostosa, harmônica, adentrou pelas minas, soando nas paredes de pedra.

Tinha uma moça rindo entre as árvores. Uma moça que ele conhecia.

•~🦇~•

Os dois estavam deitados na manta, sob um Salgueiro Chorão muito antigo.

Ambrosie estava contando alguma das peripécias de suas tias e arrancando risadas de sua namorada.

Ela estava com as mãos na barriga, de tanto rir.

-Ambrosie! Eu vou ter cãibras!

-Não tem problema. Eu peço a tia Hilda uma poção pra você. Sabe que ela faria com todo prazer.

Mais risadas e em algum momento estavam trocando beijos tranquilos. Até uma respiração pesada começar a ecoar pela floresta. Raphaella ouviu primeiro e ficou tensa, se sentando na manta, em total alerta.

-Tem alguém aqui, Ambrose...

-O que acha que é?

Uma brisa gelada os atingiu como uma carícia, e Ambrosie viu sua namorada ficar perturbada.

-Belial... Temos que voltar pra Mansão, Ambrose... Agora!

A corrida até a casa foi simples, afinal não estavam assim tão longe. A questão foi encontrar com Faustus e Pridence na porta, junto com Zelda, Hilda e Sabrina.

-Ei, vocês dois viram um fantasma?

A brincadeirinha de Sabrina fez Ambrose torcer o nariz, antes de perceber que sua namorada ficou pra trás. Viu todos arregalarem os olhos antes de se virar, parando sua corrida de forma bruta. Raphelle estava parada, frente a frente com uma das entidades da destruição. Belial, senhor da Loucura.

-Olá, Raphaelle... Quanto tempo que não a vejo.-A língua demoníaca soava como garras de aço raspando em vidro para os bruxos, que se escolhiam com o som tenebroso.-Linda como sempre.

-Belial...-A morena não conseguia mais respirar e por isso levou a mão ao peito, pressionando. Os bruxos viam seus lábios se moverem, mas não tinham nada além de silêncio.-O que... Faz... Aqui?

-Estou dando uma volta. O que aconteceu, Raphaelle? Não consegue dizer uma frase completa.

- Não posso... Respirar... Belial...-O demônio viu o desespero se acender nos olhos azuis da moça.-Me ajuda...

O antigo Anjo da Virtude fechou suas asas ao redor da moça, e eles desapareceram diante dos bruxos, que estavam absolutamente atônitos. E Faustus mandou seu familiar chamar Lillith com urgência. Ele havia achado que a preocupação dela com a nova diversão de Ambrose Spellman totalmente descabida. Até aquele exato momento.

Você Já Viu Asas?Onde histórias criam vida. Descubra agora